E se no lugar da tua Cabana,
Encontrasses lama plana?
O arfo de uma Orquestra de Trombones,
A ditar as nossas sortes.
A perguntar como um amor de liturgia
Escapa à fúria, à inveja e à ira.
Amanhã, como seria esse dia?
Alcançar o amor talvez exija mais renúncia do que alegria e felicidade.
Nem sei se a felicidade pessoal é compatível com o amor. Por que ligar felicidade ao amor?
O amor é sério demais para almejar a felicidade.
A felicidade está sempre ligada a alguma forma de inconseqüência.
A paixão sim faz a gente feliz. Só transar? Melhor ainda.
Assim como é preciso alguma crueldade para viver, assim como há sempre alguma agressão embrulhada em qualquer vitória, também a felicidade precisa de alguma inconseqüência.
O amor por si, é repleto de “trágicos deveres”.
Por isso o amor não está ligado à felicidade.
Os que assim a perseguem, deveriam desistir de amar.
O amor é um sentimento ligado à lucidez, à renúncia, à compreensões das contradições.
Amar é ser capaz de viver um sentimento que se misture fundo com a vida, se torne corriqueiro, mal percebido, sem grandeza, sem efeitos extraordinários, emoções particulares ou excitantes.
Aqui reside, pois, a complicações do amor.
Só se torna visível quando ameaçado acabar.
Só se o descobre quando se supõe nada mais sentir.
Está onde menos se espera.
É profundo, vital, doador, independente de exaltações.
Flui imperceptível, aparece ao sumir.
Pessoas que separam, mesmo livres uma da outra, sentem um vazio, uma perda, um sentimento de possibilidade perdida.
É preciso muito viver, muito desiludir-se, muito sentir, muito experimentar, muito perder, muito renunciar, para encontrar o próprio amor, guardado não se sabe em que dobra da gente, e muitas vezes nunca descoberto.
Morrer sem descobrir o próprio amor escondido é freqüente. E terrível.
O que estamos fazendo com o amor que está em nós e diariamente trocamos pelas emoções prazenteiras, pela felicidade inconseqüente, pelas alegrias passageiras?
O que estamos fazendo? O que?
Não consigo dormir.
Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras.
Se pudesse, diria a ela que fosse embora;
mas tenho uma mulher atravessada na garganta.

Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.
Ouse, ouse... ouse tudo!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
Se você quer uma vida, aprenda ... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!
Uma linguagem que corte o fôlego. Rasante, talhante, cortante. Essa deve ser a linguagem do poeta.
Uma linguagem de aços exatos, de relâmpagos afiados, de agudos incansáveis, de navalhas reluzentes.
Uma dentadura que triture o eu-tu-ele-nós-vós-eles.
Um vento de punhais que desonre as famílias, os templos, as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os colégios, os manicômios, as fábricas, as academias, os cartórios, as delegacias, os bancos, as amizades, as tabernas, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, os erros, a esperança, as verdades... a verdade!
Que existe mais, senão afirmar a multiplicidade do real?
A igual probabilidade dos eventos impossíveis?
A eterna troca de tudo em tudo?
A única realidade absoluta?
Seres se traduzem.
Tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma.
Tudo irremediavelmente metamorfose!
Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós.
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.
Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa.
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Mas isso é um tremendo erro de cálculo.
Casar-se com a Musa é desperdiçá-la para sempre.
Musas não suportam algemas de ouro no dedo anular.
É impossível formalizar a Paixão, prender o Amor, engaiolar o Desejo.
Fazer um Contrato de Aventuras é uma contradição imperdoável.
Enquanto a Musa pertence ao reino encantado da Poesia e do Romance, a esposa tem tudo a ver com prendas domésticas, geração da prole, bujão de gás e novela da Globo. Portanto, não queira nunca transformar a Musa
E a recíproca também é verdadeira: o príncipe encantado, antes de virar sapo definitivamente, passa pelo estágio provisório de marido. É só uma questão de tempo.
O inverno é como a velhice. Tem sua beleza igualmente, exige lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada. O que não queremos que entre? Maus presságios. O inverno é frio como despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno. Queremos que passe, temos medo que termine. Ficar sozinho volta a ser aterrorizante. O inverno é branco, é cinza, é prata. É grisalho.
E, de repente, também passa.
Em relação a todos os atos de iniciativa e criação,
Existe uma verdade elementar, cuja ignorância
Mata inúmeros planos e idéias esplêndidas:
Que no momento em que definitivamente
Nos compromissamos a providência divina
Também se põe em movimento.
Sou mutante. Não anseio a majestades cristalizadas em palavras que não voltam atrás. Eu volto palavras, gestos e sentimentos. Mudam tempos, momentos, situações, mundo... Por que não mudo eu? Livrai-me do engessamento burro da prepotência! Peço desculpas e me sinto aliviado. Se o outro vai desculpar ou não depende do grau de irredutibilidade dele. Aí já não é comigo. Repensar é consertar. "Eu não sou sempre da minha opinião." Considero a sua e, se for o caso, reconsidero a minha.
(...) O encalhado quando caça também não acha seu par. Não é por ausência de vontade, talvez seja o excesso, a ansiedade, a pressão em resolver sua vida naquele instante daquele jeito (Encalhado mesmo é aquele que consulta a data de validade da camisinha).
Sente-se duplamente negado: por si e pelos outros. Parte da concepção de que os outros estão informados de sua abstinência e jejum. E o terrível é que a maioria realmente desconfia. O encalhado respira a falta de sexo, já pede desculpas com as sobrancelhas. Subentende que é um fracassado, camuflando o estigma da mão solitária com a protuberância de anéis. Desabafa no mais sutil cumprimento. Age como eu farejando a chave ou fugindo do policiamento. Com idéias fixas. Modelando a memória para diminuir a culpa. Censurando-se por ter perdido algo (sua idade, sua fantasia, sua ingenuidade).
Não dançará à vontade ou participará de discussões, tão coagido a eleger sua cara-metade. Não irá se divertir; converteu o namoro num pré-requisito do prazer. O encalhado não conversa, investiga. Não flerta, conduz entrevistas de candidatos. Pergunta o que exigiria anos de observação. Encurralado pela falta de tempo que é ter todo o tempo do mundo.
Aos amantes solteiros, pense em mim no Dia dos Namorados antes de chorar emprestado. Ao desistirem de procurar, é certo que vão encontrar.

Te vejo errando e isso não é pecado,
Exceto quando faz outra pessoa sangrar
Te vejo sonhando e isso dá medo
Perdido num mundo que não dá pra entrar
Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar ao menos mande notícias
Você acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu... (2x)
Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu... (2x)
Só por hoje não quero mais te ver
Só por hoje não vou tomar a minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência uma hora vai passar...
Segundo Lacan, as fantasias precisam ser irrealistas, pois no momento em que tivermos o que procuramos, desistiremos, não vamos mais querer o ser procurado. Para poder continuar existindo o desejo deve ter seu objeto eternamente ausente. Não é aquilo que queremos, mas sim a fantasia daquilo que queremos. Portanto, o desejo sustenta fantasias impossíveis.
Pascal disse que somos verdadeiramente felizes somente quando sonhamos acordados com a felicidade futura. Assim, cuidado com se deseja, pois não vamos querer quando conseguirmos. Para Lacan, viver pelos desejos nunca vai trazer a felicidade. O significado de ser totalmente humano é se esforçar para viver por idéias e ideais e não viver a vida em função daquilo que ganhamos, mas pelos pequenos momentos que vivemos durante a busca daquilo que queremos.
Do que adianta você ter essa alma colada aos ossos, dessa carne errada.
Sem o risco a vida não vale à pena.
Se você não quiser arriscar, não comece.
Isso quer dizer: e se você arriscar e perder namorada, esposa, filhos, emprego, a cabeça e até a alma?
Mas é sempre melhor isso, do que olhar para todas essas outras pessoas que nunca acertam, porque nunca se propõem ao risco.
O que vocês esperavam que acontecesse quando tiraram a mordaça que tapava essas bocas negras?
Esperavam que elas lhes lançassem louvores? E essas cabeças que seus avós e seus pais haviam dobrado à força até o chão?
O que esperavam? Que se reerguessem com adoração nos olhos?
Ei-los
Hoje, esses homens pretos nos miram e nosso olhar re-entra em nossos olhos. Tochas negras iluminam o mundo e nossas cabeças brancas não passam de pequenas luminárias balançadas pelo vento.
Vamos decidir nos pênaltis
O analfabetismo
A falta de energia
A votação do senado
Os rumos da nação
E tudo que empata
Vamos decidir nos pênaltis
As armas do embate
O pleito eleitoral
As jogadas do futebol.
Vamos privatizar os sonhos
Banir de vez nossas paixões
Exorcizar os demônios
Num grito de liberdade
E não de gol.
Eu dou um passo, ela dá dois passos.
E aquele, entre os homens, que não quer voltar ao pó,
É preciso antes que comece a cantar em qualquer canto um canto de dor.
E aquele, entre os homens, que não quer gestar intrigas,
É preciso antes que aprenda a calar em todas as línguas.
E aquele, entre os homens, que não quer morrer de solidão,
É preciso antes que comece a beijar todas as bocas.
E aquele, entre os homens, que não quer morrer sem verdade,
É preciso antes que aprenda a acreditar em todas elas.
E aquele, entre os homens, que não quer morrer de tédio,
É preciso antes que aprenda a ser todos de todas as maneiras.
E aquele, entre os homens, que quer permanecer íntegro,
É preciso antes que saiba silenciar todas as falas.
E aquele, entre os homens, que quer permanecer sensível,
É preciso antes que saiba sentir tudo de todas as maneiras.
E aquele, entre os homens, que quer permanecer são,
É preciso antes que saiba ter todas as loucuras.
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto, mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
Não se melindre não.
Esse jeito novo meu,
foi moda que eu inventei.
Pra esconder essa dor nova, novíssima,
que inaugurei ontem, lá pelas seis da tarde,
quando todos os anjos rezavam a ave-maria,
o sol ainda esparramava luz no mundo,
a brisa fazia cócegas nas minhas partes todas
e o vento bateu - pra sempre - aquela porta.
Não se engane comigo.
Afora essa mania boba de estar sempre comovida,
(e ficar espiando a ternura onde ninguém vai olhar)
tenho a mesma sarça ardente aqui dentro
- ardente e obscena.
Vê: sou a mesma flor.
Que não se cheira.
(...)Tudo dorme. Eu, no entanto, olho o espaço sombrio,
Pensando em ti, ó doce imagem adorada!...(...)
“Euteamo” e suas estréias
Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido “euteamo”
assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importa, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição, parece maculá-lo ou duvidá-lo...
Qual nada!
Pois que o euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe com exuberância comum e com
novidade diária
e aí dizemos em espanto bom: Que dia lindo!
E é! Porque só aquele dia lindo
é lindo como aquele.
Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo é o
prazer.
Vê: tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso te amo agora como nunca antes
Porque quando te amei ontem
eu te amava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio daquela disposição de verbo
Te amo hoje com você dentro
embora sem você perto
Te amo em viagem
portanto em viragem diferente da que quando
estava perto
Meu certo é alto, forte
Te amo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Eu te amo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.
(...)
A saudade incendiando a madrugada.
No silêncio queima a chama da alegria.
Ainda lembro de você naquele dia
Me beijando, me dizendo que me amava.
Te amei tanto que eu não imaginava
Que sozinho ficaria triste e oco.
Quando o mundo me chamava eu tava mouco
Galopando no vagão do pensamento
Que uma noite sem você é muito tempo
E uma vida com você é muito pouco...
Eu não sei por que a amo. Cada vez mais não sei. Pode ser pelo seu pescoço que se levanta para ganhar altura quando estamos abraçados. Ou será que é pela forma em que dobra as pernas no sofá? Ou quando se contorce em espiral com beijos nas costas? Eu não sei por que a amo. Será que pela sua preguiça, que se enrola em mim de manhãzinha? Ou pela sua disposição de dar a volta por cima? Eu já parei para pensar por que a amo, mas lamento, não sei. Realmente não sei. Talvez seja pelas sobrancelhas que falam antes dos olhos. Ou pelo umbigo que inicia a mão. Ou pelo copo que você balança antes de beber, para convencer a água a partir? Tantos homens têm um motivo certo para amar, definido como um emprego, e você foi escolher logo um que nada tem a dizer. Será que é pelo amor aos filhos, excessivo, que sempre me inclui? Ou pela sua vontade de fazer mercado depois do almoço para gastar menos? Será que é pelo modo como canta, o modo como dança, com os braços acenando em linhas sinuosas como fumaça de chá? Será que é pelo toque em meu joelho enquanto dirijo? Pela sua respiração suspensa na penumbra? Ou pelas nossas saídas de madrugada para encontrar sorvete em botecos? Será que me apaixonei pelo seu texto e quis ser seu personagem? Ou pela sua pressa de avisar que chegou, apertando o interfone mesmo com as chaves? Ou quando diz que está com frio no cinema? Ou quando fica muda querendo voltar ou quando fica ruidosa querendo passear? Ou quando pede que eu fique em casa mordendo o lábio de cima? Ou quando me enfrenta com raiva e me diz todas as verdades sem ao menos pedir para sentar? Ou quando sopra os machucados, de quem herdou o costume de soprar machucados mesmo quando não existem? Ou quando fica bêbada e declara que está bêbada para eu me aproveitar? Será que é pelo sua predileção em comprar presentes, sempre dando mais do que recebendo? Ou pela tapeçaria no fundo de suas bolsas, com notas, moedas, chicletes, batons e brincos avulsos? Será que a amo por que me irrita a viver mais? Será que a amo por que não me deixa a sós comigo? Eu juro que não sei por que a amo. Todo dia você se acorda querendo ouvir, eu pressinto, debruçada em meus ombros à espera do sinal, do cartão, das flores, da segunda aliança que é um par de palavras. Mas não descobri e não finjo. Entenderá que faltam motivos, só que sobram motivos. E dificulta-me pensar que se ama por motivos. Ama-se por insinuações. Será que é pelo seu medo de sangue? Pela sua infância vesga? Pelos seus joelhos esfolados nos móveis? Pelos seus amores frustrados? Pela sua letra arredondada nas vogais? Pela sua insatisfação com as roupas na hora de sair? Pela ânsia em atender o telefone com a esperança de que seja eu a dizer por que a amo? Eu não sei por que a amo. Não me fale. Quem sabe deixou de amar.