Entre a minha casa e a tua
Há uma ponte de estrelas
Uma ponte de silêncios.
No entanto ela me encarava sorrindo, com os mesmos olhos que eu encontrava nas manhãs, um olhar que nos conectava e expressava que éramos parte um do outro. É difícil imaginar sensação de maior conforto e serenidade que esta, que surge da ilusão elaborada de que fazemos parte da vida de uma pessoa a ponto de estarmos verdadeiramente unidos, de tudo estar bem se o outro estiver por perto, se apenas nos for dada a chance de saciar os desejos e interesses um do outro, de tolerar um ao outro quando sacrifícios forem necessários e deixar que todo o resto se foda, se destrua e morra, porque não haverá problema.
(...) não se questiona na aresta de um instante o destino dos nossos passos. Bastava que eu soubesse que o instante que passa, passa definitivamente, e foi numa vertigem que me estirei queimando ao lado dela, me joguei inteiro numa só flecha, tinha veneno na ponta desta haste e, embalando nos braços a decisão de não mais adiar a vida, agarrei-lhe a mão num ímpeto ousado.
É incrível, a nossa história, sem nenhuma prova concreta.
Só palavras, que voam com o vento
imagens que eu trago na memória
um segredo inviolável
de uma paixão inflamável
mas que nunca, nunca incendeia
nem em noite de lua cheia....
às vezes,
fico dias inteiros, imaginando e pensando em você
e eu fico com tantas saudades
que até parece que eu posso morrer
pode acreditar em mim
você me olha
eu digo sim
mas eu nem sei se sofro assim
o que eu quero é você pra mim.
Cada maldito espaço vazio no tempo perdido
Rita Ribeiro
Oito horas de vôo num ConcordeCinco dias num barco mar adentroSete noites dormindo ao relentoSete ciganas lendo a minha sorteQuatro dias, em pé, no trem da morte Vinte léguas montado num jumentoSete mil flores no meu pensamentoE eu trilhando os últimos espaçosPra ficar no conforto dos teus braçosQualquer coisa no mundo eu enfrento... Valentia de pai ou de irmãoConcorrência com o astro do momento Temporal, tempestade, chuva e vento Holocausto, hecatombe e tufãoDesemprego, palestra e sermãoTititi, coqueluche, casamentoPé de ponte, mansão, apartamentoPaparazzi, sucessos e fracassosPra ficar no conforto dos teus braçosQualquer coisa no mundo eu enfrento... Ladroíce, mutreta, malandragemÁlcool, droga, barato, passamentoAmnésia, larica, esquecimentoRoubalheira e má politicagemCabaré, palacete, sacanagemFome, greve, motim, acampamentoConfusão, batalhão, fuzilamentoReclusão, solidão, sonho aos pedaçosPra ficar no conforto dos teus braçosQualquer coisa no mundo eu enfrento...
Amo-te quanto em largo, alto e profundo
"A necessidade cria o amor ou ele existe? A questão é delicada e conduz a uma resposta que confunde mais do que explica. Sim, a necessidade cria o amor. Sim, o amor existe.
Na verdade, fomos condicionados pela sociedade e seus contos de fada a acreditar que o amor é uma coisa que acontece quando menos se espera, que domina nosso coração, que interrompe nossos neurônios e nos captura para uma vida de palpitações, suspiros e lágrimas. Que o amor não tem idade, não tem hora pra chegar, não tem escapatória. Que o amor é lindo, poderoso e absoluto, que vence todos os preconceitos, que vence a nossa resistência e ceticismo, que é transformador e vital. Esse amor existe e ai de quem se atrever a questioná-lo.
Rendo-me, senhores. Esse amor existe mesmo, é invasivo e muitas vezes perverso, mas também pode ser discreto, sereno e indolor. Costuma acontecer ao menos uma vez na vida de todo ser humano, ou três vezes, aos 17, 35 e 58 anos, ou pode acontecer todo final de semana, se for o caso de um coração insaciável. Mas também pode acontecer nunquinha, e aí a outra verdade impera.
Sim, a necessidade também cria o amor. A pessoa nasce idealizando um parceiro para dividir a janta e as agruras, a cama e as contas, os pensamentos e os filhos. Passam-se os anos e esse amor não sinaliza, não apresenta-se, e o relógio segue marcando as horas, lembrando que o tempo voa. Esse ser solitário começa a amar menos a si mesmo, pelo pouco alvoroço que provoca a sua volta, e a baixa estima impede a passagem de quem quer se aproximar. É um círculo vicioso que não chega a ser raro. Qual é a solução: solidão ou imaginação?
O nosso amor a gente inventa, cantou Cazuza, no auge da sabedoria. A necessidade faz quem é feio parecer um deus, quem é tímido parecer um sábio, quem é louco parecer um gênio. A necessidade nos torna menos críticos, mais tolerantes, menos exigentes, mais criativos. A necessidade nos torna condescendentes, bem-humorados, otimistas. Se a sorte não acenou com um amor caído dos céus, ao menos temos afeto de sobra e bom poder de adaptação: elegemos como grande amor um amor de tamanho médio. O coração também sobrevive com paixões inventadas, e não raro essas paixões surpreendem o inventor.
O amor pode ser casual ou intencional. Se nos faz feliz, é amor igual."
Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas.
Dá-me tua mão e eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido,
Te darei por leito a terra amiga e repousarei tua cabeça envelhecida Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei, apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito amada.