segunda-feira, 20 de abril de 2009

Nélida Piñon

Meu coração sofre todas as urgências.



Marcos Freitas

Confissão

Não que eu não saiba o que sinto, o que sou, haja vista meu instinto de ser todo desejo, de não ter do amor, o medo; de não ter da consciência, o nexo; de não poupar de meu pensamento, teu sexo.Não que eu não saiba o que sinto, pra onde vou, haja vista que tenho a pretensão tamanha, de beber de tua taça, de teus sonhos; de prender pra mim, teus olhos, teus abraços; de te saber como alimento, sendo eu, neste ato de amor, réu confesso.



Maurício Segall in Poesia ao Acaso

Quantas saudades sem idade

na memória do presente.



sábado, 18 de abril de 2009

Mário Quintana in Caderno H

Entre a minha casa e a tua

Há uma ponte de estrelas.

Uma ponte de silêncios.



Machado de Assis in Dom Casmurro

Capitu era tudo e mais que tudo; não vivia nem trabalhava que não fosse pensando nela.

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A insônia, musa de olhos arregalados, não me deixou dormir uma hora ou duas; as cócegas pediam-me unhas, e eu coçava-me com alma.

Rubem Alves in Cenas de Vida

O corpo é o lugar onde moram as coisas amadas que nos foram tomadas, presença de ausências, daí a saudade, que é quando o corpo não está onde está... O poeta escreve para invocar essa coisa ausente. Toda poesia é um ato de feitiçaria cujo objetivo é tornar presente e real aquilo que está ausente e não tem realidade.

Aprendendo a viver

Clarice Lispector

Quando tiraram os pontos de minha mão operada, por entre os dedos, gritei. Dei gritos de dor, e de cólera, pois a dor parece uma ofensa à nossa integridade física. Mas não fui tola. Aproveitei a dor e dei gritos pelo passado e pelo presente. Até pelo futuro gritei, meu Deus.

José Luís Peixoto in Cemitério de Pianos

Aos domingos, os pássaros são mais livres. Exibem-se em voltas no ar porque sabem que as pessoas reparam mais neles. Aos domingos, o barulho das ruas é diferente: as vozes, despreocupadas, assentam sobre o espaço vazio deixado pelas vozes ásperas dos dias de semana. Aquele era um domingo assim, era um domingo domingo, mas eu despertava de um mundo onde não havia domingos e, para mim, aquele dia era-me estranho, da mesma maneira que me teria sido estranho qualquer outro dia.

Albert Camus

Só conheço um dever: o de amar.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Charles Bukowski

Algumas pessoas jamais enlouquecem. Meu Deus, como deve ser horrível a vida delas.




Daniel Galera

No entanto ela me encarava sorrindo, com os mesmos olhos que eu encontrava nas manhãs, um olhar que nos conectava e expressava que éramos parte um do outro. É difícil imaginar sensação de maior conforto e serenidade que esta, que surge da ilusão elaborada de que fazemos parte da vida de uma pessoa a ponto de estarmos verdadeiramente unidos, de tudo estar bem se o outro estiver por perto, se apenas nos for dada a chance de saciar os desejos e interesses um do outro, de tolerar um ao outro quando sacrifícios forem necessários e deixar que todo o resto se foda, se destrua e morra, porque não haverá problema.



Raduan Nassar - Lavoura Arcaica

(...) não se questiona na aresta de um instante o destino dos nossos passos. Bastava que eu soubesse que o instante que passa, passa definitivamente, e foi numa vertigem que me estirei queimando ao lado dela, me joguei inteiro numa só flecha, tinha veneno na ponta desta haste e, embalando nos braços a decisão de não mais adiar a vida, agarrei-lhe a mão num ímpeto ousado.

Você pra mim

Fernanda Abreu

É incrível, a nossa história, sem nenhuma prova concreta.

Só palavras, que voam com o vento

imagens que eu trago na memória

um segredo inviolável

de uma paixão inflamável

mas que nunca, nunca incendeia

nem em noite de lua cheia....

às vezes,

fico dias inteiros, imaginando e pensando em você

e eu fico com tantas saudades

que até parece que eu posso morrer

pode acreditar em mim

você me olha

eu digo sim

mas eu nem sei se sofro assim

o que eu quero é você pra mim.



Mãos atadas

Julieni AndradeCada maldito espaço vazio no tempo perdido
faz de você um quase inatingível objetivo...
traçado inesperadamente pelo querer repentino.
Será assim até que o contrário meu coração sinta.
Essa inundação de espasmos,
relâmpagos nada acanhados...
fez de mim, alma desprotegida,
habitante de corpo febril.
Como pode uma alma desesperada ser acasalada
pelo corpo em chamas sem se desfazer em larvas?
Insólita vivência, onde permeia meu querer, meu não poder...
Enquanto dói, de minuto em minuto, vejo a água dos meus olhos escorrendo.
Sigo vencendo os dias atolados em um oco...
esperando ser preenchido pela presença imaginada do cheiro.
Vago tecendo, nas horas, as esperanças remanescentes da pouca fé que tenho...
almejando encher meus olhos da cor dos seus a olhar-me.
Atravesso meu vácuo estar, contando pérolas da vontade quente...
Mas...
se... por fim, chegar a hora H...
vou entrega-lhe meu sorrir expansivo na bandeja do meu amor abrigo do seu...
andamos, assim, de mãos atadas...
esperanças nada exageradas,
amor imenso, submerso no vago abraço não dado.




segunda-feira, 6 de abril de 2009

No conforto dos teus braços

Rita Ribeiro

Oito horas de vôo num Concorde
Cinco dias num barco mar adentro
Sete noites dormindo ao relento
Sete ciganas lendo a minha sorte
Quatro dias, em pé, no trem 
da morte Vinte léguas montado num jumento
Sete mil flores no meu pensamento
E eu trilhando os últimos espaços
Pra ficar no conforto dos teus braços
Qualquer coisa no mundo eu enfrento...
 
Valentia de pai ou de irmão
Concorrência com o astro do momento 
Temporal, tempestade, chuva 
e vento Holocausto, hecatombe e tufão
Desemprego, palestra e sermão
Tititi, coqueluche, casamento
Pé de ponte, mansão, apartamento
Paparazzi, sucessos e fracassos
Pra ficar no conforto dos teus braços
Qualquer coisa no mundo eu enfrento...
 
Ladroíce, mutreta, malandragem
Álcool, droga, barato, passamento
Amnésia, larica, esquecimento
Roubalheira e má politicagem
Cabaré, palacete, sacanagem
Fome, greve, motim, acampamento
Confusão, batalhão, fuzilamento
Reclusão, solidão, sonho aos pedaços
Pra ficar no conforto dos teus braços
Qualquer coisa no mundo eu enfrento...

sábado, 4 de abril de 2009

Minha fonte

Saint-ExupéryEu - pensou o principezinho - se tivesse cinqüenta e três minutos para gastar, iria caminhando passo a passo, mãos no bolso, na direção de uma fonte...

Manuel BandeiraAmo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.


quarta-feira, 1 de abril de 2009

A necessidade e o acaso

"A necessidade cria o amor ou ele existe? A questão é delicada e conduz a uma resposta que confunde mais do que explica. Sim, a necessidade cria o amor. Sim, o amor existe.


Na verdade, fomos condicionados pela sociedade e seus contos de fada a acreditar que o amor é uma coisa que acontece quando menos se espera, que domina nosso coração, que interrompe nossos neurônios e nos captura para uma vida de palpitações, suspiros e lágrimas. Que o amor não tem idade, não tem hora pra chegar, não tem escapatória. Que o amor é lindo, poderoso e absoluto, que vence todos os preconceitos, que vence a nossa resistência e ceticismo, que é transformador e vital. Esse amor existe e ai de quem se atrever a questioná-lo.

Rendo-me, senhores. Esse amor existe mesmo, é invasivo e muitas vezes perverso, mas também pode ser discreto, sereno e indolor. Costuma acontecer ao menos uma vez na vida de todo ser humano, ou três vezes, aos 17, 35 e 58 anos, ou pode acontecer todo final de semana, se for o caso de um coração insaciável. Mas também pode acontecer nunquinha, e aí a outra verdade impera.

Sim, a necessidade também cria o amor. A pessoa nasce idealizando um parceiro para dividir a janta e as agruras, a cama e as contas, os pensamentos e os filhos. Passam-se os anos e esse amor não sinaliza, não apresenta-se, e o relógio segue marcando as horas, lembrando que o tempo voa. Esse ser solitário começa a amar menos a si mesmo, pelo pouco alvoroço que provoca a sua volta, e a baixa estima impede a passagem de quem quer se aproximar. É um círculo vicioso que não chega a ser raro. Qual é a solução: solidão ou imaginação?

O nosso amor a gente inventa, cantou Cazuza, no auge da sabedoria. A necessidade faz quem é feio parecer um deus, quem é tímido parecer um sábio, quem é louco parecer um gênio. A necessidade nos torna menos críticos, mais tolerantes, menos exigentes, mais criativos. A necessidade nos torna condescendentes, bem-humorados, otimistas. Se a sorte não acenou com um amor caído dos céus, ao menos temos afeto de sobra e bom poder de adaptação: elegemos como grande amor um amor de tamanho médio. O coração também sobrevive com paixões inventadas, e não raro essas paixões surpreendem o inventor.

O amor pode ser casual ou intencional. Se nos faz feliz, é amor igual."