segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Martha Medeiros

Aí tem

As coisas são como são. Se alguém diz que está calmo, é porque está calmo. Se alguém diz que te ama, é porque te ama. Se alguém diz que não vai poder sair à noite porque precisa estudar, está explicado. Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais.

Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava frio como um iglu. Você falava, falava, e ele quieto, monossilábico. Até que você o coloca contra a parede: "O que é que está havendo?". "Nada, tô na minha, só isso." Só isso???? Aí tem.

Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava exaltado demais. Não parava de tagarelar. Um entusiasmo fora do comum. Você pergunta à queima-roupa: "Que alegria é essa?" "Ué, tô feliz, só isso". Só isso????? Aí tem.

Os tais sinais. Ansiedade fora de hora, mudez estranha, olhar perdido, mudança no jeito de se vestir, olheiras e bocejos de quem dormiu pouco à noite: aí tem. Somos doutoras em traduzir gestos, silêncios e atitudes incomuns. Se ele está calado demais, é porque está pensando na melhor maneira de nos dar uma má notícia. Se está esfuziante demais, é porque andou rolando novidades que você não está sabendo. Se ele está carinhoso demais, é porque não quer que você perceba que está com a cabeça em outra. Se manda flores, é porque está querendo que a gente facilite alguma coisa pra ele. Se vai viajar com os amigos, é porque não nos ama mais. Se parou de fumar, é uma promessa que ele não contou pra você. Enfim, o cara não pode respirar diferente que aí tem.

Às vezes não tem. O cara pode estar calado porque leu um troço que mexeu com ele, ou está falando muito porque o time dele venceu. Pode estar mais carinhoso porque conversou sobre isso na terapia e pode estar mais produzido porque teve um aumento de salário. Por que tudo o que eles fazem tem que ser um recado pra gente?

É uma generalização, mas as mulheres costumam ser mais inseguras que os homens no quesito relacionamento. Qualquer mudança de rota nos deixa em estado de alerta, qualquer outra mulher que cruze o caminho dele pode ser uma concorrente, qualquer rispidez não justificada pode ser um cartão amarelo. O que ele diz importa menos do que sua conduta. Pobres homens. Se não estão babando por nós, se tiram o dia para meditar ou para assistir um jogo de vôlei na tevê sem avisar com duas semanas de antecedência, danou-se: aí tem.



Nos encontramos lá em cima

Eu me aguardo mais do que tenho paciência.
Nem sempre eu me encontro, tem dias que vou ao trabalho sem me levar, tem dias que sou uma lembrança do que precisava ser.

Há quem acredite que está inteiro sempre?

Não, não é possível. Nunca seremos inteiros sozinhos. Eu me aproximo da inteireza na praia. Uma praia do entardecer, quando o vento arrasta suas redes e os barcos se entendem com as estrelas. Uma hora em que o mundo parece que está voltando para casa e não decidindo nada.

Nessa hora imprecisa entre a tarde e a noite, gosto de ser insultado pelas gaivotas. Elas se aproximam e se afastam. Arrulham com a violência das crianças jogando futebol, brincam com a bola imaginária de minhas mãos, zombam de minha âncora para voar mais alto.

Eu sempre fui virgem para cada mulher. Porque não sou completo. Sou o adolescente que se deslumbra para conhecer. Que abre o sutiã para logo aproximar o peito. Como se o meu peito fosse proteger os seios. Como se meu peito fosse uma camisa envergonhada. O adolescente que arrisca pela intuição, por ouvir os ouvidos. Que ainda não encontrou algo mais excitante na vida do que tirar a calcinha. E olha para os pés dela para que a ânsia complete o que faltou enxergar. Que tem cuidado para entrar, um cuidado viril, um cuidado autêntico, um cuidado permanente que não perderá quando estiver distante.

A segurança me tornou insensível. Não dependo dela. Não sou um ator para ler o texto antes de interpretar. Interpreto a minha própria ignorância.

Até sei que isso não conta pontos na sedução e me fará passar uma imagem de inexperiente. Sou cada vez mais inexperiente. Minha mulher que o diga.

Amar é inexperiência, é esperar que a minha mulher se espere. Posso me faltar, mas ela não. Não fazer nada que não tenha sido aquecido pelo sopro. Essa praia que é a cintura: as águas mexendo as pedras sem ninguém ver, deslocando o som, conchas correndo secretas.

É a inexperiência que me toca. A experiência da inexperiência. O que me agrada sinceramente é quem recebe o esquecimento e ainda assim não se esquece. Quem não retira o cumprimento atrás da porta. Mas o que se contenta com um abraço ou um deslizar mútuo dos dedos.

Não desejo impor meu ritmo. Toda a transa é a primeira. Os lábios se multiplicam no rosto. Há mais bocas do que duas bocas. Sombras de bocas. A respiração ajuda a espalhar o beijo. Uma excitação pela próxima palavra. O corpo é um ditado. Uma palavra por vez. Não ter idéia de qual seja a próxima palavra. Suspirar dentro do gemido. Não ter idéia de subir e descer, e descer e subir na própria indecisão. Cada olhar como a repetir: “Vem, eu a ajudo a subir”.

E só gritar, como as gaivotas, quando estiver no alto.



Olavo Drummond

Sonhar é preciso
Se aos teus sonhos outros sonhos tu somares
Sob a espera da presença do irreal,
É porque estás além dos patamares
Dos arautos da frieza universal

Continua o teu sonho e não te ponhas
Na linhagem dos pétreos, sem sorriso,
Pois os Anjos te assistem enquanto sonhas
E na terra te preparam um Paraíso...

Benditos sejam os sempre sonhadores,
Fiéis aos passes de mágicos atores,
Que transformam o devaneio em realidade

Quem
não sonha do seu chão não tem ciúmes,
É incapaz de lutar contra os costumes
Que corrompem os ideais de Liberdade...


Herberto Helder

Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insônia como o aroma entre os tendões da madeira fria. És uma faca cravada na minha vida secreta.



quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Hilda Hilst

Vos sinto por toda parte.
Se me falta o que não vejo
Me sobra tanto desejo
Que este, o dos olhos, não importa.

(Antes importa saber
Se o que mais vale é sentir
E sentindo não vos ver.)

São coisas do amor,
Desordenadas, antigas.
E se são coisas que se invejam
P'ra se cantar a cantiga.

Não são os olhos que vêem
Nem o sentido que sente.
O amor é que vai além
E em tudo vos faz presente.




Herbert Vianna

Sigo palavras e busco estrelas...



José Antonio Gonçalves


Promete-me que não dormes
se eu te entregar o meu corpo
e me usares como cama.


Fernanda Young

Não se soma à alma aquilo que não é capaz de entrar dentro dela. E alma só se preenche com silêncio, algum poema, um conselho que, de bom, foi esquecido, beijo de mãe quando se dorme, uma reza sincera ao anjo da guarda, um amor que é eterno e raro de se achar.



Itamar Assumpção

Pensei seduzir você daquele instante em diante
Além
de fazer crochê, pensei dar vôo rasante
Ir ao cinema, escrever, reinar nesse caos reinante
Impressionante, por que que eu não pensei nisso antes.

(Por quoi je n´ai pense pas a çà avant?)

(Sim, eu gosto...)



Mário Quintana

A laranja cortada ao meio,

úmida de amor, anseia pela outra...

É assim, é bem assim que eu te desejo!



Mia Couto

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo, outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No úmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome




sexta-feira, 28 de agosto de 2009

1,2,3...40 semanas!

Gestação (Francis de Oliveira)Gestamos as palavras crescemos
nos gestos podados na relva umedecida
de nossa pele açoitada.
Silenciamos nossos sentimentos
sob o chicote das palavras
marcando nossos ombros estreitos.
Crescemos assim, infestados
de traças, trapaças, mazelas.
Gestamos dentro de nós
a força única da palavra
que embora não dita
há de vigorar.


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Zélia Duncan

Todos os verbos

Errar é útil
Sofrer é chato
Chorar é triste
Sorrir é rápido
Não ver é fácil
Trair é tátil
Olhar é móvel
Falar é mágico
Calar é tático
Desfazer é árduo
Esperar é sábio
Refazer é ótimo
Amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo
Abraçar é quente
Beijar é chama
Pensar é ser humano
Fantasiar também
Nascer é dar partida
Viver é ser alguém
Saudade é despedida
Morrer um dia vem
Mas amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo.

terça-feira, 18 de agosto de 2009



Porque eu sei que é amor
Eu não peço nada em troca
Porque eu sei que é amor
Eu não peço nenhuma prova

Mesmo que você não esteja aqui
O amor está aqui
Agora
Mesmo que você tenha que partir
O amor não há de ir
Embora

Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
E eu peço somente
O que eu puder dar

Porque eu sei que é amor
Sei que cada palavra importa
Porque eu sei que é amor
Sei que só há uma resposta

Mesmo sem porquê eu te trago aqui
O amor está aqui
Comigo
Mesmo sem porquê eu te levo assim
O amor está em mim
Mais vivo

Porque eu sei que é amor

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A felicidade possível

Só quem está disposto a perder tem o direito de ganhar. Só o maduro é capaz da renúncia. E só quem renuncia aceita provar o gosto da verdade, seja ela qual for. O que está sempre por trás dos nossos dramas, desencontros e trambolhões existenciais é a representação simbólica ou alegórica do impulso do ser humano para o amadurecimento. A forma de amadurecer é viver. Viver é seguir impulsos até perceber, sentir, saber ou intuir a tendência de equilíbrio que está na raiz deles (impulsos). A pessoa é impelida para a aventura ou peripécia, como forma de se machucar para aprender, de cair para saber levantar-se e aprender a andar. É um determinismo biológico: para amadurecer há que viver (sofrer) as machucadelas da aventura e da peripécia existencial. A solução de toda situação de impasse só se dá quando uma das partes aceita perder ou aceita renunciar (e perder ou renunciar não é igual, mas é muito parecido; é da mesma natureza). Sem haver quem aceite perder ou renunciar, jamais haverá o encontro com a verdade de cada relação. E muitas vezes a verdade de cada relação pode estar na impossibilidade, por mais atração que exista. Como pode estar na possibilidade conflitiva, o que é sempre difícil de aceitar. Só a renúncia no tempo certo devolve as pessoas a elas mesmas e só assim elas amadurecem e se preparam para os verdadeiros encontros do amor, da vida e da morte. Só quem está disposto a perder consegue as vitórias legítimas. Amadurecer acaba por se relacionar com a renúncia, não no sentido restrito da palavra (renúncia como abandono), porém no lato (renúncia da onipotência e das formas possessivas do viver). Viver é renunciar porque viver é optar e optar é renunciar. Renunciar à onipotência e às hipóteses de felicidade completa, plenitude etc é tudo o que se aprende na vida, mas até se descobrir que a vida se constrói aos poucos, sobre os erros, sobre as renúncias, trocando o sonho e as ilusões pela construção do possível e do necessário, o ser humano muito erra e se embaraça, esbarra, agride, é agredido. Eis a felicidade possível: compreender que construir a vida é renunciar a pedaços da felicidade para não renunciar ao sonho da felicidade.



sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Lya Luft

A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada.

Isabel Allende

A vida não é uma fotografia, em que preparamos as coisas para que fiquem bem e em seguida fixamos uma imagem para a posterioridade; é um processo sujo, desordenado, rápido, cheio de imprevistos. A única coisa certa é que tudo muda.

Jana Farias

Lascívia TrissilábicaSegunda... Sábado, domingo,
Semana inteira...
Vestido rasgado
contigo desnuda,
abraço devagar.
Retiro banhado...
Cobiça natural,
expirar emoções...
Aquele instante,
cenário perplexo, escuro...
Música..
ENTREGA!
Perceber palavras,
revelar segredos...
Falando baixinho...
Soluços... Sorrisos... Promessas.
Esquecer? Resistir? Disfarçar?
DIFÍCIL!
Sujeito prodígio, galante...
Mergulhar, deslizar, pertencer...
Intenção: permitir prazeres...
Única direção...
Afagos, carícias,
ternura - embalam, ouriçam, enroscam.
Arrastar abalos...
Tocada... Sentido
GOSTOSO! Aquece!
Amada!
Tornamos animais...
Ajuste perfeito! Sublime!
Contemplar delírios...
Centelha!
EXPLOSÃO!
Êxtase imortal!
Caminho... Estrada... Destino...


*(Desenho colorido de Jana Farias feito por Humberto)



João Guimarães Rosa

Miguelim estava chorando simples, não era medo de remédio, não era nada, era só a diferença toda das coisas da vida.

(Manuelzão e Miguelim )



Mia Couto

Não se preocupe, doutor. O meu chorar é feito à medida do lenço.



quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Osho

A vida é possível apenas através de desafios. A vida é possível apenas quando você tem ambos, bom tempo e mau tempo, quando você tem ambos, prazer e dor, quando você tem ambos, inverno e verão, dia e noite. Quando você tem ambos, tristeza e alegria, desconforto e conforto. A vida se move entre essas duas polaridades. Movendo-se entre essas duas polaridades, você aprende como ter equilíbrio. Entre essas duas coisas, você pode aprender como voar até à estrela mais distante.