sábado, 5 de dezembro de 2009

Elizabeth Hazin


Sou neto das tempestades
que sopram pelos desertos
um destino de saudades.
Com seus nós quase desfeitos

eu trago a garganta aberta
escancarada vazando
uma voz suja de terra
que filtra os dias e as noites.

Na ponta de minha língua
o tempo acaba ou começa?
Brota em mim o som da flauta

brota mais — a flor do sangue —
ao sol que queima sem pena
nesse deserto tão grande.


Margarida Antunes

Fala-me do tempo como se não fosse em ti
que todos os dias nascem.
Como se as estações se sucedessem
e não fosse sempre Verão na tua boca.
Como se não crescessem frutos nos teus dedos
e eu não sentisse neles o doce dos dias.
Falam-me do tempo como se nos teus braços
as horas não fossem mais pequenas
e os dias se tecessem mais devagar.
Como se o amor não obedecesse ao vento da vida
E pudesses ficar — para sempre —
a encher o mundo de presentes,
eternos como a natureza.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Cristiano Siqueira

Ai! Esse tempo!esse tempo em que teus olhos não estão
no meu rosto
triste como o olhar de uma janela perdida pelo muro
dos vazios afundado
no que não há
significado.
esse tempo,
esse tempo,
esse tempo...
como bate um relógio
de sol contra o vento.

ai! esse tempo!

há tempos só me diz
do matiz da distância.
esse tempo não faz tempo,
mas é maior que a lembrança.



sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Anne Ventura

E só queria contar a ela, que o sofrimento é ruim sim. Que as lágrimas que se jogam desesperadas ao chão são sempre mais dolorosas que parecem ao resto do mundo. Que tem horas que é preciso gritar, gritar até perder a voz. Que a vida não é assim tão fácil, que está mais praqueles livros que tinham que ler. Que as pessoas no final das contas não são tão boas quanto esperavam que fossem, que era uma regra geral que tendiam a decepcionar, a magoar, a machucar. Que mais cedo ou mais tarde a dor viria, por mais banal que fosse o motivo. Que a vida é aquela conhecida roda da fortuna, que roda, e roda. Que você perde. Que você ganha. Queria lhe dizer da dor, da tempestade, da maldade, do sofrimento, da decepção, do vazio, da morte, do nada. Queria lhe falar tanto, e já tinha lhe dito tanto. Mas o mais importante é embaralhar as cartas, fechar os olhos, confiar que os dedos vão se guiar para o caminho menos ruim, interpretar. Mas não guiar-se cegamente pelas figuras. É necessário abrir os olhos, tirar as lágrimas que embaçam a vista. E assim como se tem olhos para chorar, há a brisa pra secar. O amor é tão doce quanto é amargo, assim como as pessoas, os dias, as vidas. Que caminhem. Sem correr. Sem estagnar. Quanto mais vento em contato, maior a chance de a lágrima evaporar.