domingo, 8 de agosto de 2010

Às vezes





“Às vezes as coisas não vão, no fim das contas,
de mau a pior. Em alguns anos, a uva resiste à geada;
o verde triunfa; as colheitas não são perdidas,
às vezes um homem sonha alto, e dá tudo certo.

Um povo às vezes pode desistir da guerra;
eleger um homem honesto; decidir que se importa
sim, e que não se deve deixar algum estranho na pobreza.
Alguns homens tornam-se aquilo que nasceram para ser.

Às vezes nossos melhores esforços não se extraviam;
às vezes a gente consegue fazer do jeito que queria.
O sol às vezes derrete um campo de dor
que parecia congelado: oxalá aconteça a você.”

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Guimarães Rosa

Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ana Miranda

(...) amava, mas não pensei que amava tanto, amava, mas podia amar mais e muito mais, amava, mas o amor que tinha para o amor que adivinhava...era o espaço em relação à imensidade...



Clarice Lispector

 
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantava riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se.



terça-feira, 27 de julho de 2010

20 X VoCê




Morrer de amor ao pé da tua boca
Desfalecer à pele do sorriso
Sufocar de prazer com o teu corpo
Trocar tudo por ti se for preciso. (Maria Teresa Horta)    

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Eu te amo
 Antes e depois de todos os acontecimentos,
 Na Profunda imensidade do vazio
 E a cada lágrima dos meus pensamentos.

 Eu te amo
 Em todos os ventos que cantam,
 Em todas as sombras que choram,
 Na extensão infinitas dos tempos
 Até a região onde os silêncios moram.

 Eu te amo
 Em todas as transformações da vida,
 Em todos os caminhos do medo,
 Na angústia da vontade perdida
 E na dor que se veste em segredo.

 Eu te amo
 Em tudo que estás presente,
 No olhar dos astros que te alcançam
 Em tudo que ainda estás ausente

 Eu te amo
 Desde a criação das águas,
 Desde a idéia do fogo
 E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

 E te amo perdidamente
 Desde a grande nebulosa
 Até depois que o universo cair sobre mim
 Suavemente.   (
Adalgisa Nery )

quarta-feira, 21 de julho de 2010

João Guimarães Rosa




Cada um rema sozinho uma canoa que navega um rio diferente, mesmo parecendo que está pertinho.

Rodrigo Maranhão / Leoni


Eu podia ser seu espinho
Ser a pedra no seu caminho
Seu ciúme doentio
Mas eu estou falando de amor.
(...)
Eu podia ser um mistério
E viver cercado de estórias
Só te olhar do jeito mais sério
Mas eu estou falando de amor
Eu podia ser a ternura
Sem desejo, beijo, nem sexo
Ser somente a história mais pura
Mas eu estou falando de amor.

terça-feira, 20 de julho de 2010

João Guimarães Rosa



Quieto; muito em quieto a gente chama o amor: como em quieto as coisas chamam a gente.

José Luis Peixoto


Ficou o silêncio como se fosse a resposta de uma angústia. Ficou o silêncio como se fosse a resposta que mais nos apavorava.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Lavoura arcaica - 1ª parte

Lavoura arcaica - 2ª parte

Cecília Meireles


Minhas palavras são a metade de um diálogo obscuro
continuando através de séculos impossíveis.
Agora compreendo o sentido e a ressonância
que também trazes de tão longe em tua voz.
Nossas perguntas e respostas se reconhecem
Como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.
Conversamos dos dois extremos da noite, como de praias opostas. 
Mas com uma voz que não se importa…
E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu. 
Mas um mar sem viagens.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

William Shakespeare

Se nada há de novo e tudo o que há
já dantes era como agora é,
só ilusão a criação será:
criar o já criado para quê?
Que alguém me mostre, sobre um livro antigo
como quinhentas translações astrais,
a tua imagem, na inscrição, no abrigo
do espírito em seus signos iniciais.
Que eu saiba o que diria o velho mundo
deste milagre que é a tua forma;
se te viram melhor, se me confundo,
se as translações seguem a mesma norma.
Mas disto estou seguro: antigos textos
louvaram mais com bem menores pretextos.

sábado, 3 de julho de 2010

Sophia de Mello Breyner Andresen


A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado
Como projeto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?


Ricardo Reis

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Nuno Júdice

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhamos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha.
essa doente sensação que me deixaste como amada
recordação.



quarta-feira, 30 de junho de 2010

Martha Medeiros



Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê.
O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade.
E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.
Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.
Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência, mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.

Mona Saunders




- Oi.
- Oi. Como você está?
- Tô bem. E você?
- Também estou bem.
E esquecem que bem, não é feliz.