sábado, 2 de outubro de 2010

Raduan Nassar in Lavoura Arcaica


É egoísmo, próprio de imaturos, pensar só nos frutos, quando se planta; a colheita não é a melhor recompensa para quem semeia; já somos bastante gratificados pelo sentido de nossas vidas, quando plantamos, já temos nosso galardão só em fruir o tempo largo da gestação…

Erico Verissimo in Um Certo Capitão Rodrigo


E, quanto mais tempo passava, mais Rodrigo compreendia ser-lhe impossível viver sem Bibiana. O que a princípio fora apenas desejo carnal agora era também um pouco ternura: era amor. E o cap. Cambará inquietava-se por isso. Porque sempre lhe parecera que o único amor digno dum homem era esse que apenas pede cama. O amor de fazer ou cantar versos e mandar flores, esse amor de doer no peito, de dar saudade era amor de homem fraco. Ele cantava versos que falavam em tiranas, saudade e mágoa, só por brincadeira, sem sentir de verdade as coisas que dizia. No entanto, agora estava enfeitiçado por Bibiana Terra. E, em fins daquele dezembro quente e parado, Rodrigo Cambará pela primeira vez compreendeu o profundo sentido dum ditado popular: “Quem anda cego de amor não sabe se é noite ou se é dia”.

Jean-Yves Leloup


Amamos tão pouco e tão mal, com uma metade ou até mesmo com um quarto de nós mesmos. E amamos, no outro, alguns pedaços escolhidos, os mais conhecidos, aqueles que nos causam menos medo. É tão raro amarmos alguém por inteiro, com aquilo que nos agrada e com aquilo que não nos agrada. É tão raro sermos amados por inteiro, com nossas cavidades de sombra, com nossos dorsos de luz.

Mia Couto



Como ele sempre dissera:
o rio e o coração, o que os une?
O rio nunca está feito, como não
está o coração. Ambos são sempre
nascentes, sempre nascendo.
Ou como eu hoje escrevo:
milagre é o rio não findar mais.
Milagre é o coração começar sempre
no peito de outra vida.

Milan Kundera in A Insustentável Leveza do Ser


Sabina via Franz passear pelo quarto brandindo bem alto a cadeira, o que lhe parecia ridículo e a enchia de uma estranha tristeza.
Franz pousou a cadeira e sentou, o rosto virado para Sabina.
“Não é que eu goste de ser forte”, disse, “mas de que me servem estes músculos em Genebra? Carrego-os como um enfeite. São as plumas do pavão. Nunca quebrei a cara de ninguém.”
Sabina continuava com suas reflexões melancólicas. E se ela tivesse um homem que lhe desse ordens? Que a dominasse? Quanto ela o suportaria? Nem cinco minutos! Donde concluiu que nenhum homem lhe convinha. Nem forte, nem fraco.
Disse: “E por que você não usa sua força contra mim de vez em quando?”.
 “Porque amar é renunciar à força”, respondeu Franz docemente.

Muriel Barbery


Onde se encontra a beleza? Nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender, sabem incrustar no instante uma preciosa pedrinha de infinito?

Fabrício Corsaletti


Se eu tivesse um bar ele teria o seu nome.
Se eu tivesse um barco ele teria o seu nome.
Minha cadela imaginária tem o seu nome.
Se eu enlouquecer passarei as tardes repetindo o seu nome.
Se eu morrer velhinho, no suspiro final balbuciarei o seu nome.
Na sétima série eu tinha duas amigas com o seu nome.
Na rua há mulheres que parecem ter o seu nome.
Na  locadora que frequento tem uma moça com o seu nome.
Às vezes as nuvens quase formam o seu nome.
Olhando as estrelas é sempre possível desenhar o seu nome.
O último verso do famoso poema de Éluard poderia muito bem ser o seu nome.
Apollinaire escreveu poemas a Lou porque na loucura da guerra não conseguia lembrar o seu nome.
Minha mãe me contou que se eu tivesse nascido menina teria o seu nome.
Se eu tiver uma filha ela terá o seu nome.
Minha senha do e-mail já foi o seu nome.
Minha senha do banco é uma variação do seu nome.
Tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela primeira vez o seu nome.
Quando fico bêbado falo muito o seu nome.
Quando estou sóbrio me controlo para não falar demais o seu nome.
É difícil falar de você sem mencionar o seu nome.
Uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome.
Coelho tinha o seu nome.
Xícara tinha o seu nome.
Teleférico tinha o seu nome.
No índice onomástico da minha biografia haverá milhares de ocorrências do seu nome.
Detesto trabalho porque me impede de me concentrar no seu nome.
Cabala é uma palavra linda, mas não chega aos pés do seu nome.
Não posso ser anarquista se isso implicar a degradação do seu nome.
Não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu nome.
Não posso ser fascista se não quero impor a outros o seu nome.
Não posso ser capitalista se não desejo nada além do seu nome.
Espero nunca deixar de te amar para não esquecer o seu nome.
Espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigado a esquecer o seu nome.
Espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome.
Espero que você nunca me odeie para eu não ficar arrasado ao ouvir o seu nome.
A literatura não me interessa tanto quanto o seu nome.
Quando a poesia é boa é como o seu nome.
Estou cansado da vida, mas isso não tem nada a ver com o seu nome.
Talvez eu não seja um poeta a altura do seu nome.
Por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer explicitamente o seu nome.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Lenine

Precário, provisório, perecível;
Fal
ível, transitório, transitivo;
Efêmero, fugaz e passageiro
Eis aqui um vivo, eis aqui um vivo!

Impuro, imperfeito, impermanente;
Incerto, incompleto, inconstante;
Inst
ável, variável, defectivo
Eis aqui um vivo, eis aqui...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Florbela Espanca


Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!


Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”

Gabriel Garcia Marquez in O amor nos tempos do cólera


- E até quando acredita o senhor que podemos continuar nesse ir e vir do caralho? - perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinqüenta e três anos, sete meses e onze dias com respectivas noites.
- Toda a vida - disse.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Quiroga

 
As coisas não são difíceis nem fáceis, são o que são. Se por acaso você acha que tudo anda difícil demais e suspeita que não vai conseguir agüentar, lembre que duros desígnios são oferecidos apenas às almas avançadas.