quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Fernando Pessoa


Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar.
De sonhar sempre, pois sendo mais do que
um espectador de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis
.

Manuel Bandeira

Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:

- Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me louvar!

Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio:

- Não será insensato pedir a esta rosa que fale?

Não vês que ela se dá toda no seu perfume?

Canção

Allen Ginsberg

O peso do mundo é o amor.
Sob o fardo da solidão,
sob o fardo da insatisfação.
O peso.
O peso que carregamos é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos nos toca o corpo,
em pensamentos constrói um milagre,
na imaginação aflige-se até tornar-se
humano - sai para fora do coração
ardendo de pureza - pois o fardo da vida
é o amor, mas nós carregamos o peso
cansados e assim temos que descansar
nos braços do amor finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso sem amor, nenhum sono
sem sonhos de amor - quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos ou por máquinas, o último desejo
é o amor - não pode ser amargo não pode ser negado
não pode ser contigo quando negado: o peso é demasiado - deve dar-se sem nada de volta
assim como o pensamento é dado na solidão
em toda a excelência do seu excesso.
Os corpos
quentes brilham juntos na escuridão,
a mão se move para o centro da carne, a pele treme
na felicidade e a alma sobe feliz até o olho - sim, sim,
é isso que eu queria, eu sempre quis, eu sempre quis
voltar ao corpo em que nasci.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Milton Nascimento - Outro Lugar

Você sabe que as canções são todas feitas pra você
E vivo porque acredito nesse nosso doido amor.
Não vê que ta errado, tá errado me querer quando convém
E se eu não estou enganado acho que você me ama também.

O dia amanheceu chovendo e a saudade me contem
O céu já tá estrelado e tá cansado de zelar pelo meu bem.
Vem logo que esse trem já tá na hora, tá na hora de partir
E eu já to molhado, to molhado de esperar você aqui.

Amor eu gosto tanto, eu amo, amo tanto o seu olhar.
Andei por esse mundo louco, doido, solto com sede de amar.
Igual a um beija-flor, que beija-flor,de flor em flor eu quis beijar
Por isso não demora que a história passa e pode me levar.

E eu não quero ir, não posso ir pra lado algum enquanto não voltar.
Não quero que isso aqui dentro de mim.
Vá embora e tome outro lugar.
Talvez a vida mude e nossa estrada pode se cruzar.
Amor, meu grande amor, estou sentindo que esta chegando a hora de dormir.


sábado, 12 de janeiro de 2008

Trecho do Livro A Máquina

Adriana FalcãoSeu coração disse pra sua cabeça, vá, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou, e sua coragem respondeu, vou nada, mas sua boca não ouviu e beijou.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Definições...

Adriana FalcãoSolidão é uma ilha com saudade do barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Agonia é quando o maestro de você se perde completamente.
Preocupação é uma cola que não deixa o que ainda não aconteceu sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Renúncia é um não que não queria ser ele.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.
Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente.
Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando sempre faltam 5 minutos para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada em especial.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do Sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é Fevereiro...
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o Natal acontece em outra ápoca do ano.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.
Desatino é um desataque de prudência.
Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Emoção é um tango que ainda não foi feito.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Desejo é uma boca com sede.
Paixão é quando apesar da palavra "perigo" o desejo chega e entra.
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero... também não. É um "desadoro"... Uma batelada? Um exame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego? Talvez porque não tivessesentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor não sei explicar.

O querer

Márcia MaiaSe não doesse como se saberia quão bom não doer seria?
Caio Fernando AbreuNum deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.

Saudade...

Márcia Maia Essa coisa que dá um nó na gente, que aperta, aperreia e faz chorar, e não tem jeito claro pra explicar que diacho é aquilo que se sente. Mais parece ser coisa de demente, não é raiva ou tristeza, nem mania, nem remorso ou amor, nem latomia, alegria, então, mesmo é que não é, é uma falta de ver quem ver se quer, é querer ter quem tanto se queria.

SOU QUANDO DEIXO DE SER

Fabrício CarpinejarQuando amo, nunca me vejo tão próprio. Sou possível. Sou véspera. Viera para ler minha vida. A praia amarelada é meu rosto pensando. O marulhar não me distrai. Os pássaros escoltam a luz até o alto-mar. Os barcos se soltam como bóias e recolhem promessas de Navegantes. Não há guerra civil. O espelho antigo perdoa as rugas que chegaram depois. As mãos são lábios apertados. O lápis não quebra a ponta ao sugerir quadros. Mas quando amo não sou eu. Quando amo, me esvazio de mim para ser ela. Eu me anulo para ser ela. Não compreendo como sou mais eu logo quando não sou. Como me sinto pleno quando saí de mim. Como me sinto lúcido ao desarticular o senso. Como me sinto guardado ao me desperdiçar. Ao me sacrificar, acredito que me reencontrei. Quando amo cedo minhas convicções, meus preconceitos, minhas verdades. Abdico para dar lugar a quem chega com sua escova de dente e seus xampus. Abro espaço no armário, vinco as roupas prediletas. Renuncio a lonjura da cama. Capaz de dormir na esquerda, mudar os hábitos e ler o jornal por segundo. Deixo o jogo passar sem consultar o rádio. Quero agradar mesmo que signifique me desagradar. Eu me bajulo de contradições e censuras. Pergunto o que ela deseja para - se sobrar tempo - me perguntar. Antecipo-me nela para me atrasar em mim. Ainda que ela me condene, seguirei a absolvendo e reincidindo. Ainda que ela me abandone, seguirei tentando e insistindo. Ainda que me destrate, inventarei motivos para procurá-la. Privo-me da vergonha, da reputação, da moralidade, para esmolar meu corpo de volta. Ou o que julgava corpo antes de encontrá-la. O corpo é a generosidade de perdê-lo. O corpo é o espaço entre ela e eu. Amar e viver não são simultâneos. Diria até que são excludentes. Ambos exigem muito para coexistirem. Posso ter vivido e não amado, posso ter amado e não vivido. É impossível sarar de um amor. Escapo-me do que sou, mas não daquilo que preciso e que não encontro sozinho. O amor mostra que qualquer coisa é modificável, qualquer passado, qualquer temperamento, menos o amor. No amor, somos tudo, menos a gente.

domingo, 6 de janeiro de 2008

"E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida."

Gabriel Garcia MarquezÉ necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração, pois a vida está nos olhos de quem saber ver.




Caio Fernando AbreuTalvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (...) talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem junto para Paris (...) talvez um se matasse, o outro negativasse. Seqüestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Mesmo Assim

Karine Bighelini

Mesmo assim,
Permaneço fortalecida...
Olho para trás e assimilo as mudanças como gotas necessárias
Como óleo que queima, mas que também abençoa.

Passei a acreditar que tudo e todos têm um porquê
Mesmo que tentada a duvidar, muitas vezes, dos motivos reais
Meu aparente descrédito é interiorizado de certezas a serem aprendidas.

Agora, passo não mais a duvidar de nada
Nesse momento e daqui pra frente, experiencio porque sei que é preciso
Não porque quero daquela ou desta forma,
Mas, porque acima de mim, existe algo superior
E minha visão, pequena e aparente, é e será conduzida por uma essência muito maior que pensava eu possuir.

Quanta pretensão existia...
Quantas certezas afirmava ter...
Tudo aquilo e o resto foram um dia:
Luzes apagadas, portas fechadas, olhares retirados...

Ao invés do ontem
Procuro, hoje, o que antes não tinha ou não queria.
Valorizo a simplicidade à complexidade
Troco as aparentes felicidades passageiras à intensidade
Busco o amor e toda a sua sabedoria...

Sabedoria do ir e vir das ondas do mar
Sabedoria do canto e da dança dos pássaros
Sabedoria que pra uns passa desapercebida
Mas, que para mim, tornou-se muito mais que necessária.

Essa será a busca pela minha sabedoria:
Acender luzes, abrir portas e sorrir com a alma!