Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
sábado, 23 de fevereiro de 2008
Por não estarem distraídos
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Um beijo
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
E se eu disser
E se eu disser que te amo - assim, de cara, sem mais delonga ou tímidos rodeios, sem nem saber se a confissão te enfara ou se te apraz o emprego de tais meios? E se eu disser que sonho com teus seios, teu ventre, tuas coxas, tua clara maneira de sorrir, os lábios cheios da luz que escorre de uma estrela rara? E se eu disser que à noite não consigo sequer adormecer porque me agarro à imagem que de ti em vão persigo? Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro em tua ausência - essa lâmina exata que me penetra e fere e sangra e mata.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
O egoísmo e o amor
Então, se você quer fazer outras pessoas alegres, seja alegre! Quer cuidar dos outros, então cuide de você.
Estar ‘cada um na sua’ não significa ignorar o semelhante, olhar apenas para o próprio umbigo, ser egoísta... ‘Estar na sua’ significa desobrigar o outro da preocupação com você, devolver ao coletivo a energia que seria gasta para que você fosse cuidado.
Essa energia, quanto mais coletiva, mais cria a força que une as pessoas. O que, é claro, aumenta a possibilidade de um cuidar do outro, quando isso realmente for necessário.
A melhor sensação não é de ser cuidado, e sim de perceber que você pode ser cuidado, se for preciso. E é essa segurança que nos faz viver melhor, de maneira mais humana e amorosa.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Deixa que eu te ame
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar...
domingo, 27 de janeiro de 2008
Tenho medo da dor de tua ausência que me queima por dentro. E da ternura eu tenho medo, dessa beleza das noites secretas quando chegas sempre como se fosse a única vez. Tenho medo de que um dia queiras cessar esse rio de águas ardentes onde mais do que os corpos tocam-se as almas, anjos desatinados luzindo no breu. Não se come uma mulher
Não sou adepto de enxergar o mundo como se fosse a primeira vez, muito menos enxergar o mundo como a última vez. Não caio na conversa fiada de estréia e de despedida. Despedir não é terminar - é procurar iniciar de um jeito diferente.
Sou homem do durante. Do meio. Do decorrer. Nada contra quem pensa o contrário, mas é um pouco de soberba inaugurar ou fechar o mundo.
Quando se ama uma mulher, é preciso a safadeza, a vontade sem pudor, o desejo diabólico, a tara. Não se conter, não se represar. A ânsia, a violência e a obsessão são permitidas. Mas tudo será grosseria desacompanhada da pureza.
Pureza é autenticidade. Não fingir, não disfarçar, não dizer o que não está sentindo. Já ouvi muito que sexo não é seguir a cabeça e deixar as coisas aconteceram. Sexo seria não pensar. Não concordo, sexo não é inconseqüência, é conseqüência da gentileza. Conseqüência de ouvir o sussurro, de ser educado com o sussurro e permanecer sussurrando. Perder o pudor, não perder o respeito. Perder a timidez, não perder o cuidado.
Sexo é pensar, como que não? E fazer o corpo entender a pronúncia mais do que compreender a palavra. Como se não houvesse outra chance de ser feliz. Não a derradeira chance, e sim a chance.
Uma mulher está sempre iniciando o seu corpo. Toda a noite é um outro início. Toda a noite é um outro homem ainda que seja o mesmo. Não se transa com uma mulher pela repetição. Seu prazer não está aprendendo a ler. Seu prazer escreve - e nem sempre num idioma conhecido.
Ela pode ficar excitada com uma frase. Não é colocando de repente a mão na coxa. Ela pode ficar excitada com uma música ou com uma expressão do rosto. Não é colocando a mão na sua blusa. Mulher é hesitação, é véspera, é apuro do ouvido.
Antever que aquelas costas evoluem nas mãos como um giz de cera. Reparar que a boca incha com os beijos, que o pescoço não tem linha divisória com os seios, que a cintura é uma escada em espiral.
É comum o homem, ao encontrar sua satisfação, recorrer a uma fórmula. Depois de sucesso na intimidade, acredita que toda mulher terá igual cartografia, igual trepidação. Se mordiscar os mamilos deu certo com uma, lá vai ele tentar de novo no futuro. Se brincou de chamá-la de puta, repete a fantasia interminavelmente. Assim o homem não vê a mulher, vê as mulheres e escurece a nudez junto do quarto.
Amar não é uma regra, e sim onde a regra se quebra.
Não se come uma mulher, ela é que se devora.
Também não reajo contra o sentimento romântico que me domina. Por que esta preocupação de parecer o que não somos?Ponham-me a data de 1830, mas a verdade é que esses sentimentos são de natureza eterna, e é inútil situá-los em outras épocas. Não se pode negar o homem.
Felicidade
Oh, que dama fácil, a felicidade!
Mal se acostuma num lugar, ela já sai...
Afaga teu cabelo, cheia de vaidade,
beija-te às pressas, bate as asas e se vai.
Dona infelicidade, ao contrário,
te prende ao coração a ferro e corda.
Para ir embora, diz não ter horário,
senta-se contigo à cama e borda.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Fernando Pessoa

Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar.
De sonhar sempre, pois sendo mais do que
um espectador de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis.
Manuel Bandeira
Canção
O peso do mundo é o amor.
Sob o fardo da solidão,
sob o fardo da insatisfação.
O peso.
O peso que carregamos é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos nos toca o corpo,
em pensamentos constrói um milagre,
na imaginação aflige-se até tornar-se
humano - sai para fora do coração
ardendo de pureza - pois o fardo da vida
é o amor, mas nós carregamos o peso
cansados e assim temos que descansar
nos braços do amor finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso sem amor, nenhum sono
sem sonhos de amor - quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos ou por máquinas, o último desejo
é o amor - não pode ser amargo não pode ser negado
não pode ser contigo quando negado: o peso é demasiado - deve dar-se sem nada de volta
assim como o pensamento é dado na solidão
em toda a excelência do seu excesso.
Os corpos quentes brilham juntos na escuridão,
a mão se move para o centro da carne, a pele treme
na felicidade e a alma sobe feliz até o olho - sim, sim,
é isso que eu queria, eu sempre quis, eu sempre quis
voltar ao corpo em que nasci.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
Milton Nascimento - Outro Lugar
E vivo porque acredito nesse nosso doido amor.
Não vê que ta errado, tá errado me querer quando convém
E se eu não estou enganado acho que você me ama também.
O dia amanheceu chovendo e a saudade me contem
O céu já tá estrelado e tá cansado de zelar pelo meu bem.
Vem logo que esse trem já tá na hora, tá na hora de partir
E eu já to molhado, to molhado de esperar você aqui.
Amor eu gosto tanto, eu amo, amo tanto o seu olhar.
Andei por esse mundo louco, doido, solto com sede de amar.
Igual a um beija-flor, que beija-flor,de flor em flor eu quis beijar
Por isso não demora que a história passa e pode me levar.
E eu não quero ir, não posso ir pra lado algum enquanto não voltar.
Não quero que isso aqui dentro de mim.
Vá embora e tome outro lugar.
Talvez a vida mude e nossa estrada pode se cruzar.
Amor, meu grande amor, estou sentindo que esta chegando a hora de dormir.





