quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Alberto Caieiro

O amor é uma companhia

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio

Segredo - Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

PERIGO - Caio César Muniz

Veja em minhas mãos o que o tempo nos fez.
Perceba em meus olhos
a mesma tristeza de outrora
e na frieza das minhas palavras
tudo aquilo que não consigo esconder...
São sentimentos guardados a sete chaves,
São vontades e desejos proibidos
como cada verso que escrevo.
Toque-me se quiseres, mas, cuidado:
Eu sou armadilha de pegar gente...
Se unir o meu corpo ao teu,
Sou tatuagem e não saio mais,
Sou cicatriz que não sara.
Posso ser o vinho que lhe tira o tino
e o veneno que você toma para morrer e não
morre, mas fica marcada pro resto da vida...

Roland BarthesO sujeito apaixonado é atravessado pela idéia de que está ou vai ficar louco.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Dom Casmurro

De onde vens? Porque estou tão inteiramente em ti? Quantas tolices, não é? (Bentinho)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Dom Casmurro - Capítulo XII - Na Varanda

“Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses sonhos andávamos unidinhos.”

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Fome de amor - Arnaldo Jabor

Uma vez Renato Russo disse com uma sabedoria ímpar: 'Digam o que disserem, o mal do século é a solidão'. Pretensiosamente digo que assino embaixo sem dúvida alguma. Parem pra notar, os sinais estão batendo em nossa cara todos os dias. Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, chegam sozinhas e saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e, sozinhos. Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos 'personal dance', incrível. E não é só sexo não, se fosse, era resolvido fácil, alguém duvída? Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho sem necessariamente ter que depois mostrar performances dignas de um atleta olímpico, fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão 'apenas' dormir abraçados, sabe essas coisas simples que perdemos nessa marcha de uma evolução cega. Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção. Tornamos-nos máquinas e agora estamos desesperados por não saber como voltar a 'sentir', só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós. Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada no site de relacionamentos ORKUT, o número que comunidades como: 'Quero um amor pra vida toda!', 'Eu sou pra casar!' até a desesperançada 'Nasci pra ser sozinho!' Unindo milhares ou melhor milhões de solitários em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis. Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento e estamos a cada dia mais belos e mais sozinhos. Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário, pra chegar a escrever essas bobagens (mais que verdadeiras) é preciso encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa. Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia é feio, démodé, brega. Alô gente! Felicidade, amor, todas essas emoções nos fazem parecer ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, não seja frustrado, 'pague mico', saia gritando e falando bobagens, você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta mais (estou muito brega!), aquela pessoa que passou hoje por você na rua, talvez nunca mais volte a vê-la, quem sabe ali estivesse a oportunidade de um sorriso à dois. Quem disse que ser adulto é ser ranzinza, um ditado tibetano diz que se um problema é grande demais, não pense nele e se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele. Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo ou uma advogada de sucesso que adora rir de si mesma por ser estabanada; o que realmente não dá é continuarmos achando que viver é out, que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo ou que eu não posso me aventurar a dizer pra alguém: 'vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida'.
Antes idiota que infeliz!



Longa vida aos famintos - Martha Medeiros

A fome é o flagelo número 1 do mundo. Todos querem combater a fome na África, na Ásia, no Brasil, em todos os cantos onde possa haver uma criança que não usufrua do direito de se alimentar e crescer. Fome zero. De democratas a ditadores, a intenção é única: erradicá-la. Não há como manter um ser vivo com fome.

Posto isso, passo para o terreno das metáforas, que sempre nos coloca frente a frente com a ambigüidade das situações. Tendo pão e manteiga à mesa, um copo de leite, alguma proteína e vitamina, ainda assim uma criatura bem alimentada pode seguir faminta e isso lhe salvar a vida. Não há razão para se existir com fome, mas tampouco sem fome. Alguma fome é necessária. É o que nos dá energia para levantar todos os dias.

Você tem fome de quê, perguntava uma letra de rock. De paixão, responde a maioria. Há milhares de casais que se amam e que não compreendem a razão de seguirem insatisfeitos, já que a vida lhes foi tão boa e generosa. Falta-lhes paixão, que é coisa bem diferente de amor. Paixão mantém a falta de gravidade do corpo, os pés longe do chão, a vida de ponta cabeça, prazer e vertigem, o sim e o não convivendo no mesmo espaço de tempo. Paixão: a causa de tantos desacertos comemorados com champanha, depois das lágrimas. A raridade de sentir-se vivo como nunca se desejou conscientemente, porque a gente sabe o tamanho da encrenca. Paixão é uma fome hemorrágica: de sangue e coração. Milhares morrem pela carência, e outros tanto vivem justamente por mantê-la como uma gula feroz: é a fome mais gloriosa.

E há a fome de vida, que é ainda mais aguda. Além de incorporar a fome por paixão, inclui a fome contraditória por liberdade, e também a fome por conhecimento, a fome pelo êxtase, a fome de sol. Uma pessoa que atingiu a saciedade não percebe que jaz embaixo da terra, ainda que mantenha-se como um zumbi caminhando sobre ela. Morre-se de fome, mas também morre-se por não ter fome.

A fome é mais violenta que o desejo. Este está aliado à vontade, é uma intenção que mistura o emocional com o racional, já que a gente deseja com o cérebro também.

A fome, ao contrário, não pensa. Não dialoga, não negocia. É instintiva, febril. A fome é um grito de “eu quero”, “eu preciso”, sem levar em consideração tudo o que está ao redor. A fome nos expulsa da sociedade, nos desloca de toda civilização e nos isenta de todos os pecados. Voltamos à natureza mais primitiva. A luta por esse tipo de sobrevivência nos redime de qualquer culpa e de qualquer racionalidade. É uma necessidade vital. Como se fôssemos ursos, leoas, guepardos. Não há lei regendo nossas ações predatórias, de subsistência. Você precisa, você luta, e se tiver sorte, vence.

Olho para os lados e vejo pessoas atracadas em pratos de macarrão, sem fome alguma. Devorando carnes, bolos, doces, sem que a vida lhes pareça igualmente suculenta. Não vão morrer de fome de comida, mas alguns correm o risco de morrer antes do tempo, saciados pelo seu vazio.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Lya Luft

Queiram os deuses que nesse processo de domesticação a gente consiga preservar a capacidade de sonhar. Pois a utopia será o terreno da nossa liberdade. Ou acabaremos como focas treinadas cumprindo corretamente nossas tarefas, mas soterrando aquilo que chamamos alma. Seremos então roídos pela futilidade, tão mortal quanto a pior doença: que ataca a alma, deixando-a porosa e quebradiça como certos esqueletos.

ÔNUS - Lya Luft

A esperança me chama,
e eu salto a bordo
como se fosse a primeira viagem.
Se não conheço os mapas,
escolho o imprevisto:
qualquer sinal é um bom presságio.
Seja como for, eu vou,
pois quase sempre acredito:
ando de olhos fechados
feito criança brincando de cega.
Mais de uma vez saio ferida
ou quase afogada,
mas não desisto.
A dor eventual é o preço da vida:
passagem, seguro e pedágio.

PARTO - Carlos Eduardo Café

Como responderei,
à altura dos seus olhos castanhos,
com a mesma tinta que escreveu tantas bobagens
na pedra
na água
na areia.
Sangue incrustado em lâminas forjadas
nos infernos de sua chama azul-turquesa.
Nestas letras mirradas,
minha carne em tiras selada nos seus envelopes,
escondendo sob fórmulas precárias a certeza
adormecida nas entranhas, como lava.
Em sua luz crepuscular me torno cego,
encontro um guia no seu nome-cicatriz.

Nietzsche

Tome cuidado para que, ao se desfazer dos demônios, você não se desfaça do que há de melhor em você.

Ana Praline

Lugar nenhum não me cabe.
Lógica não me veste.
Sociedade não me sabe.
Religião não me pega.
Amor não me aprisiona.
Preconceito não me engana.
Tecnologia não me emburrece.
Dor não me enfraquece.
Amizade não me deixa.
Felicidade não me chega.
Música não me sai.
Sentimento não me comanda.
Ciúme não me comove.
Sexo não me basta.
Injustiça não me preenche.
Política não me agrada.
Esperança não me morde.
Destino não me domina.
Sonhar não me renova.
Critica não me enlouquece.
Escrever não me diverte.
Viver não me mata...

domingo, 19 de outubro de 2008

Marina Colasanti

Diz a lenda que o poeta
Li Po
afogou-se na noite em que
embriagado
quis agarrar a Lua
sobre o lago.
É lenda, bem se vê.
Pois a verdade é que
a Lua
teria seguido o poeta
a qualquer canto
se ele apenas a tivesse chamado.

Num dia como esse, em 1915, nascia Vinícius de Morais, o poetinha. Se estivesse vivo, completaria hoje 93 anos...

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.