Quando tiraram os pontos de minha mão operada, por entre os dedos, gritei. Dei gritos de dor, e de cólera, pois a dor parece uma ofensa à nossa integridade física. Mas não fui tola. Aproveitei a dor e dei gritos pelo passado e pelo presente. Até pelo futuro gritei, meu Deus.
No entanto ela me encarava sorrindo, com os mesmos olhos que eu encontrava nas manhãs, um olhar que nos conectava e expressava que éramos parte um do outro. É difícil imaginar sensação de maior conforto e serenidade que esta, que surge da ilusão elaborada de que fazemos parte da vida de uma pessoa a ponto de estarmos verdadeiramente unidos, de tudo estar bem se o outro estiver por perto, se apenas nos for dada a chance de saciar os desejos e interesses um do outro, de tolerar um ao outro quando sacrifícios forem necessários e deixar que todo o resto se foda, se destrua e morra, porque não haverá problema.
(...) não se questiona na aresta de um instante o destino dos nossos passos. Bastava que eu soubesse que o instante que passa, passa definitivamente, e foi numa vertigem que me estirei queimando ao lado dela, me joguei inteiro numa só flecha, tinha veneno na ponta desta haste e, embalando nos braços a decisão de não mais adiar a vida, agarrei-lhe a mão num ímpeto ousado.
Julieni AndradeCada maldito espaço vazio no tempo perdido
faz de você um quase inatingível objetivo...
traçado inesperadamente pelo querer repentino.
Será assim até que o contrário meu coração sinta.
Essa inundação de espasmos,
relâmpagos nada acanhados...
fez de mim, alma desprotegida,
habitante de corpo febril.
Como pode uma alma desesperada ser acasalada
pelo corpo em chamas sem se desfazer em larvas?
Insólita vivência, onde permeia meu querer, meu não poder...
Enquanto dói, de minuto em minuto, vejo a água dos meus olhos escorrendo.
Sigo vencendo os dias atolados em um oco...
esperando ser preenchido pela presença imaginada do cheiro.
Vago tecendo, nas horas, as esperanças remanescentes da pouca fé que tenho...
almejando encher meus olhos da cor dos seus a olhar-me.
Atravesso meu vácuo estar, contando pérolas da vontade quente...
Mas...
se... por fim, chegar a hora H...
vou entrega-lhe meu sorrir expansivo na bandeja do meu amor abrigo do seu...
andamos, assim, de mãos atadas...
esperanças nada exageradas,
amor imenso, submerso no vago abraço não dado.
Saint-ExupéryEu - pensou o principezinho - se tivesse cinqüenta e três minutos para gastar, iria caminhando passo a passo, mãos no bolso, na direção de uma fonte...
Manuel BandeiraAmo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.
Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas.
Dá-me tua mão e eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido,
Te darei por leito a terra amiga e repousarei tua cabeça envelhecida Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei, apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito amada.
E se um dia um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse:
" Esta vida, assim como a vives e sempre viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes, não haverá nela nada de novo!
Cada dor, cada pensamento, tudo que há de pequeno em tua vida há de retornar. Tudo, na mesma ordem e seqüência. E, do mesmo modo, esse instante e eu próprio: o demônio. O eterno relógio da existência reiniciará outra vez a contagem do seu tempo, e do tempo das tuas desgraças.”
Não te lançarias ao chão rangendo os dentes e amaldiçoando o demônio?
Não, não. Responderias medrosamente que nunca te disseram algo mais divino. Diga, nunca te disseram algo mais divino?
Mentirias que queres para sempre a tua própria desgraça? Vê bem, se disseres que sim, estarás apenas piorando a eternidade.