quarta-feira, 10 de junho de 2009

José Luiz Peixoto in Nenhum Olhar

Os dias passaram longos, como longos são os dias cheios de sol e esperança ainda, com um céu muito grande e ordenado de um azul intenso e simples de ser azul de céu e sol e esperança ainda. Os dias passaram longos e José dentro deles foi um homem novo, de face serena, a esperar e a desejar um futuro, em cada dia a desejar o dia seguinte.



Martha Medeiros

Mais uma de amor

Que algumas pessoas não acreditem que o homem esteve mesmo na lua, dá até pra entender, mas tem gente que não acredita em amor, e isso é imperdoável. Podemos não acreditar no que nossos olhos vêem, mas não podemos desacreditar no que sentimos. Você já ficou com a boca seca diante de uma pessoa? Já teve receio de ela estar ouvindo as batidas do seu coração? Bem, isso tudo não é prova de amor, apenas de ansiedade. Amor é outra coisa.

Amor é quando você acha que a pessoa com quem você se relacionava era egoísta, possessiva e infantilóide e isso não reduz em nada a sua saudade, não impede que a coisa que você mais gostaria neste instante é de estar tocando os cabelos daquela egoísta, possessiva e infantilóide.

Amor é quando você não compreende direito algumas coisas, mesmo tendo o QI mais elevado da turma, mesmo dominando o pensamento de Sócrates, Plutão e Nietzsche. Perguntas simples ficam sem resposta, como por exemplo: como é que eu, sendo tão boa gente, tão honesto e com um coração tão grande, não consigo fazê-la perceber que ela seria a pessoa mais feliz do mundo ao meu lado?

Amor é quando você passa dias sem ver quem você ama, depois passam-se meses, e aí você conhece outra pessoa e passam-se décadas, e você já nem lembra mais do passado, e um dia qualquer de um ano qualquer você se olha no espelho e pensa: como é que eu consegui enganar a mim mesmo durante todo esse tempo?

Amor é quando você sente que seria capaz de amarrar o cadarço de um tênis com uma única mão ou de fazer a chuva parar só com a força do pensamento caso a pessoa que você ama lhe mandasse um sim deste tamanho.

Amor é quando você sabe tintim por tintim as razões que impedem o seu relacionamento de dar certo, é quando você tem certeza de que seriam muito infelizes juntos, é quando você não tem a menor esperança de um milagre acontecer, e essa sensatez toda não impede de fazê-lo chorar escondido quando ouve uma música careta que lembra os seus 14 anos, quando você acreditava em milagres.

Tudo isso pode parecer uma grande dor, mas é uma grande dádiva, porque a existência do amor está toda hora sendo lembrada. Dor é quando a gente está numa relação tão fácil, tão automática, tão prática e funcional que a gente até esquece que também é amor.



segunda-feira, 8 de junho de 2009

Jean Paul Sartre

Os livros foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e meu campo; a biblioteca era o mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura infinita, a sua variedade e a sua imprevisibilidade.




Arthur da Távola

O amor maduro

O amor maduro não é menor em intensidade. Ele é apenas quase silencioso. Não é menor em extensão. É mais definido, colorido e poetizado. Não carece de demonstrações: presenteia com a verdade do sentimento. Não precisa de presenças exigidas: amplia-se com as ausências significantes.

O amor maduro somente aceita viver os problemas da felicidade. Problemas da felicidade são formas trabalhosas de construir o bem e o prazer. Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.

O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada auto-ilusão. Basta-se com o todo do pouco. Não precisa nem quer nada do muito. Está relacionado com a vida e a sua incompletude, por isso é pleno em cada ninharia por ele transformada em paraíso. É feito de compreensão, música e mistério. É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança. O amor maduro não disputa, não cobra, pouco pergunta, menos quer saber. Teme, sim. Porém, não faz do temor, argumento. Basta-se com a própria existência. Alimenta-se do instante presente valorizado e importante porque redentor de todos os equívocos do passado. O amor maduro é a regeneração de cada erro. Ele é filho da capacidade de crer e continuar, é o sentimento que se manteve mais forte depois de todas as ameaças, guerras ou inundações existenciais com epidemias de ciúme.

O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa. Ele vive do que não morreu mesmo tendo ficado para depois. Vive do que fermentou criando dimensões novas para sentimentos antigos, jardins abandonados cheios de sementes. Ele não pede, tem. Não reivindica, consegue. Não persegue, recebe. Não exige, dá. Não pergunta, adivinha. Existe, para fazer feliz. Só teme o que cansa, machuca ou desgasta.



Pablo Neruda

Deixa que o vento corra, coroado de espuma, que me chame e me busque galopando na sombra, enquanto eu, mergulhado nos teus imensos olhos, nesta noite imensa, descansarei, meu amor.

Cem anos de solidão

Gabriel Garcia Márquez

Só quando começou a desmontar a porta do quartinho é que Úrsula se atreveu a lhe perguntar por que o fazia, e ele lhe respondeu com certa amargura: "Já que ninguém quer ir embora, nós iremos sozinhos." Úrsula não se alterou.

- Nós não iremos - disse. - Ficaremos aqui, porque aqui tivemos um filho.

- Ainda não temos um morto - ele disse. - A gente não é de um lugar enquanto não tem um morto enterrado nele.

Úrsula replicou, com uma suave firmeza:

- Se é preciso que eu morra para que vocês fiquem aqui, eu morro.

José Arcadio Buendía não acreditou que fosse tão rígida a vontade de sua mulher. Tratou de seduzi-la com o feitiço da sua fantasia, com a promessa de um mundo prodigioso onde bastava derramar uns líquidos mágicos na terra para que as plantas dessem frutos à vontade do homem, e onde se vendiam a preço de banana toda espécie de aparelhos contra a dor. Mas Úrsula foi insensível à sua clarividência.



sexta-feira, 5 de junho de 2009

João Guimarães Rosa in Manuelzão e Miguelim

- Mãe, mas por que é, então, para que é que acontece tudo?!

- Miguelim, me abraça, meu filhinho, que eu te tenho tanto amor...



" fim é lindo..."

Will Eisner

Luana Vignon

Despedida

Saio deixando os sapatos como alguém que larga os miúdos ao lado do prato como uma criança que mastiga ressentida o canudo do milk sheik ou uma anoréxica quebrando os espelhos do quarto. Saio sem pedir o troco do meu abandono com as malas nas mãos e a marca do teu punho nos dentes.



Mario Bortolotto

Os dois

Eles eram dois

Mas nem sabiam que eram dois

pois os dois eram sozinhos

e se sentiam assim

sozinhos

os dois

Às vezes ficavam abraçados

testemunhando enchentes

e dividiam segredos

e riam das bobagens um do outro

e telefonavam sempre

um para o outro

só numas de ouvirem

a voz

um do outro

Eles não eram felizes

E falavam alto nos bares

E contavam histórias estapafúrdias

os dois

Se encontravam

no meio de tanta gente

Eles sempre se encontravam

e sorriam tímidos um para o outro

porque eram sozinhos

os dois

e por um momento já não era tão assim

eles eram quase dois

mesmo sozinhos

assistindo filmes de madrugada

e pegando no sono

abraçando almofadas

sozinhos

bêbados

tomando comprimidos pra dormir

aviltados com a publicidade

que cercava a solidão dos dois

E eles queriam fugir

E ele queria entrar dentro dela

e ficar lá o resto de sua vida

não pra ser um

mas pra ser dois

definitivamente

de uma vez por todas

os dois.



quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Não tenha pressa, mas não perca tempo".

José Saramago

Bata em um cão e ele irá ganir, corte uma arvore e ela irá chorar, ofenda um homem, ele irá crescer.



Caio Fernando Abreu

Hoje pensei sério:
se me perguntassem o que mais desejo na vida,
não saberia responder.
Quero tudo.
Mas esse "tudo" é tão grande, tão vago,
que me sinto estonteado.
É preciso ir limitando meu sonho,
apagando as linhas supérfluas,
corrigindo as arestas,
até restar somente o centro,
o âmago,
a essência.
Mas qual será esse centro,
meu Deus,
que não encontro?



terça-feira, 2 de junho de 2009

Djavan

Quanto mais desejo
Um beijo, um beijo seu
Muito mais eu vejo
Gosto em viver,
Viver!



José Luíz Peixoto in A criança em ruínas

Um dia, quando a ternura for a única regra da manhã, acordarei entre os teus braços. A tua pele será talvez demasiado bela. E a luz compreenderá a impossível compreensão do amor. Um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da nossa janela. Sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar a perfeição da felicidade.



segunda-feira, 1 de junho de 2009

Lya Luft

A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura.



Clarice Lispector

Respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.



sexta-feira, 29 de maio de 2009

Machado de Assis

Para as rosas escreveu alguém,

o jardineiro é eterno.






quarta-feira, 27 de maio de 2009

Tati Bernardi

Para os grandes, eu penso. E viro a cabeça pra pensar em outra coisa. É mais feliz gostar, amar é pra quem pode. Mas você ou a vida ou sei lá. Insiste. E então chega enorme. E só me resta rir que nem quando vejo um bebê muito pequeno e lindo. Você ri. Vai fazer o quê? É o milagre maravilhoso da vida e eu ficando brega e cheia de medo e cheia de vontade de te contar tantas coisas e nem sei se você gosta de ouvir meus atropelos. Muito amor. E então fico querendo não trair a beleza. Com você sinto a fidelidade de ser tranqüila. Um pacto de paz com o mundo. Pra não me afastar de você quando estou longe. E é impossível então que os martelos do apartamento de cima sejam realmente martelos. E é impossível que as chatices do dia sejam realmente sem solução. E os outros caras, aviso, olha, é amor. É amor. Ainda que eu quisesse, não consigo mais nem um centímetro pra você. Desculpa. O amor é terrivelmente fiel. Porque ele ocupa coisas nossas que nem existem nos sentidos conhecidos. É como tomar água morna depois de ter engolido um filtro inteiro de água geladinha. Ninguém nem pensa nisso. Muito amor. De um jeito que era mesmo o que eu achava que existia. E é orgânico dentro da gente ainda que vendo de fora não pareça caber. O corpo dá um jeito. Minha casca reclama, mas incha. Tudo faz drama dentro de mim, ainda que nada seja realmente de surpresa. Sentir isso era o casaco de frio que sempre carreguei no carro. Cansado, abandonado, amassado, sujo, velho. Mas, de repente, tudo isso desistente tem serventia e a vida te abraça. O guarda-chuva do porta-malas. A bolsa falsa do assalto que minha mãe mandava eu ter embaixo do banco do passageiro. Sentir isso é os trocos que você guarda pra emergência. Amar grande é gastar reservas e ainda assim ter coragem pra dar o que não se tem. Amar grande é ter vertigem no chão, mas sentir um chamado pra voar. Amar grande é essa fome enjoada ou esse enjôo faminto. É o soco do bem na barriga. É mostrar os dentes pra se defender, mas acaba em sorriso. É o sal que carrego no fundo falso da bolsa pra quando eu não agüentar a vida. É o açúcar que carrego junto. É tudo que pode sair do controle. É meu corpo caindo. E as almofadas de várias cores pra me dizer que pode dar certo. É o desespero aconchegante.



Lea Waider

Se eu me magôo e passo a odiar quem foi insensível comigo, esse problema é meu, não do outro. O outro apenas não correspondeu às minhas expectativas, não deu o colo que eu achava que merecia, não foi o amigo que eu queria que tivesse sido. Ele foi ele. EU é que queria que ele tivesse agido diferente. Então eu sou o responsável pelo que sinto.