Ardendo de amor, as cigarras cantam: mais belos, porém, são os pirilampos, cujo mudo amor lhes queima o corpo!
Posso te dizer
as mais belas palavras
e declamar
os mais belos versos
se todos eles
não estivessem engasgados
na minha garganta.
Agora dei para mascar chiclete com sabor melancia.
Deveria esconder esse detalhe. Mórbido para quem atravessou os 36 anos.
Mas vejo o quanto escondo o romantismo debaixo da mordida. Sou açucarado. Meu beijo é diabético. Logo eu que passo uma imagem seca de bolacha de sal.
Vá lá, não vou sorrir para mim de noite ou pedir a benção para os apaixonados, mas não acredito nesta história de acomodação no romance. Que de uma hora para outra cansamos. Não é cansaço, não é que paramos de seduzir porque conquistamos e que não precisamos mais arrebatar com surpresas. Não é que estamos seguros e não arriscamos mais. Não é o conforto ou o domínio territorial.
Senão começaremos a acreditar que existe cupido. E cupido é o mais cafona dos anjos. Quem começa uma relação com cupido termina na fossa repetindo os erros ortográficos das canções sertanejas.
Confio que há gente que não saiba namorar. Não sabe namorar, e pronto. Supõe que é instintivo, natural, que é beijar, abraçar e os oceanos transportam a espuma. Que basta amar e as relações funcionam.
Mas as relações queimam pelo pouco uso. A eletricidade enferruja.
Há gente que jura que namorar é cumprir um expediente depois do expediente: jantar, conversar e transar. Há gente que não quer namorar, e sim uma amizade para dividir o que se é. Sem tensão. Sem cobrança. Sem nervosismo.
Que tudo está definido e seguro para o final do ano, que não pode ser perdido no próximo minuto. Eu acabei de perder o próximo minuto.
Namoro é ambição. É um final de semana a cada dia. É uma delicadeza insuportável, antecipar os movimentos e agradar quando não se espera. Gentileza em cima de gentileza, infindável. Um cuidado para não magoar com aviso e pergunta, com aquela educação concedida a gestantes e idosos.
Namorar requer uma atenção absoluta. E não reclame: amar pode ser para toda a vida quando oferecemos toda a nossa vida.
Tem que se preparar, ceder, abrir espaço, oferecer, renunciar. A inquietação nasce da paciência. A criatividade nasce de uma porta fechada.
É um extremismo terrorista. Explodiremos civis.
Durante algum desentendimento, mobiliza-se a genealogia da imaginação para escandalizar de novo. Carro de som, helicóptero, arranjos suicidas pela janela. Não é permitido ficar quieto, parado, para conversar a respeito. A conversa demora.
No namoro, não existe como ser egoísta. Egoísmo se deixa no JK. É pensar pelo outro, com o outro, como o outro.
É ter uma lista de compra de mercado na ponta da língua, junto com o chiclete de melancia: qual a pasta de dente que ela usa, o xampu, o condicionador, o azeite, o leite que toma, o suco... Desconhecer a geladeira da namorada é passagem direta para o congelador.
É entrar numa livraria e pensar no livro que ela vai gostar, é entrar numa loja e pensar um vaso que combinaria com sua sala, é entrar no cemitério e sonhar com um mausoléu para a família, sim, planejar a morte junto - nada mais romântico.
É entrar em si mesmo e lustrar as memórias mais distantes para parecer órfão antes de sua chegada.
Agora dei para mascar a minha boca.

As coisas são como são. Se alguém diz que está calmo, é porque está calmo. Se alguém diz que te ama, é porque te ama. Se alguém diz que não vai poder sair à noite porque precisa estudar, está explicado. Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava frio como um iglu. Você falava, falava, e ele quieto, monossilábico. Até que você o coloca contra a parede: "O que é que está havendo?". "Nada, tô na minha, só isso." Só isso???? Aí tem.
Ele telefonou na hora que disse que ia ligar, mas estava exaltado demais. Não parava de tagarelar. Um entusiasmo fora do comum. Você pergunta à queima-roupa: "Que alegria é essa?" "Ué, tô feliz, só isso". Só isso????? Aí tem.
Os tais sinais. Ansiedade fora de hora, mudez estranha, olhar perdido, mudança no jeito de se vestir, olheiras e bocejos de quem dormiu pouco à noite: aí tem. Somos doutoras em traduzir gestos, silêncios e atitudes incomuns. Se ele está calado demais, é porque está pensando na melhor maneira de nos dar uma má notícia. Se está esfuziante demais, é porque andou rolando novidades que você não está sabendo. Se ele está carinhoso demais, é porque não quer que você perceba que está com a cabeça
Às vezes não tem. O cara pode estar calado porque leu um troço que mexeu com ele, ou está falando muito porque o time dele venceu. Pode estar mais carinhoso porque conversou sobre isso na terapia e pode estar mais produzido porque teve um aumento de salário. Por que tudo o que eles fazem tem que ser um recado pra gente?
É uma generalização, mas as mulheres costumam ser mais inseguras que os homens no quesito relacionamento. Qualquer mudança de rota nos deixa em estado de alerta, qualquer outra mulher que cruze o caminho dele pode ser uma concorrente, qualquer rispidez não justificada pode ser um cartão amarelo. O que ele diz importa menos do que sua conduta. Pobres homens. Se não estão babando por nós, se tiram o dia para meditar ou para assistir um jogo de vôlei na tevê sem avisar com duas semanas de antecedência, danou-se: aí tem.
Eu me aguardo mais do que tenho paciência.
Nem sempre eu me encontro, tem dias que vou ao trabalho sem me levar, tem dias que sou uma lembrança do que precisava ser.
Há quem acredite que está inteiro sempre?
Não, não é possível. Nunca seremos inteiros sozinhos. Eu me aproximo da inteireza na praia. Uma praia do entardecer, quando o vento arrasta suas redes e os barcos se entendem com as estrelas. Uma hora em que o mundo parece que está voltando para casa e não decidindo nada.
Nessa hora imprecisa entre a tarde e a noite, gosto de ser insultado pelas gaivotas. Elas se aproximam e se afastam. Arrulham com a violência das crianças jogando futebol, brincam com a bola imaginária de minhas mãos, zombam de minha âncora para voar mais alto.
Eu sempre fui virgem para cada mulher. Porque não sou completo. Sou o adolescente que se deslumbra para conhecer. Que abre o sutiã para logo aproximar o peito. Como se o meu peito fosse proteger os seios. Como se meu peito fosse uma camisa envergonhada. O adolescente que arrisca pela intuição, por ouvir os ouvidos. Que ainda não encontrou algo mais excitante na vida do que tirar a calcinha. E olha para os pés dela para que a ânsia complete o que faltou enxergar. Que tem cuidado para entrar, um cuidado viril, um cuidado autêntico, um cuidado permanente que não perderá quando estiver distante.
A segurança me tornou insensível. Não dependo dela. Não sou um ator para ler o texto antes de interpretar. Interpreto a minha própria ignorância.
Até sei que isso não conta pontos na sedução e me fará passar uma imagem de inexperiente. Sou cada vez mais inexperiente. Minha mulher que o diga.
Amar é inexperiência, é esperar que a minha mulher se espere. Posso me faltar, mas ela não. Não fazer nada que não tenha sido aquecido pelo sopro. Essa praia que é a cintura: as águas mexendo as pedras sem ninguém ver, deslocando o som, conchas correndo secretas.
É a inexperiência que me toca. A experiência da inexperiência. O que me agrada sinceramente é quem recebe o esquecimento e ainda assim não se esquece. Quem não retira o cumprimento atrás da porta. Mas o que se contenta com um abraço ou um deslizar mútuo dos dedos.
Não desejo impor meu ritmo. Toda a transa é a primeira. Os lábios se multiplicam no rosto. Há mais bocas do que duas bocas. Sombras de bocas. A respiração ajuda a espalhar o beijo. Uma excitação pela próxima palavra. O corpo é um ditado. Uma palavra por vez. Não ter idéia de qual seja a próxima palavra. Suspirar dentro do gemido. Não ter idéia de subir e descer, e descer e subir na própria indecisão. Cada olhar como a repetir: “Vem, eu a ajudo a subir”.
E só gritar, como as gaivotas, quando estiver no alto.
Vos sinto por toda parte.
Diz o meu nome
Gestamos as palavras crescemos
Errar é útil
Sofrer é chato
Chorar é triste
Sorrir é rápido
Não ver é fácil
Trair é tátil
Olhar é móvel
Falar é mágico
Calar é tático
Desfazer é árduo
Esperar é sábio
Refazer é ótimo
Amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo
Abraçar é quente
Beijar é chama
Pensar é ser humano
Fantasiar também
Nascer é dar partida
Viver é ser alguém
Saudade é despedida
Morrer um dia vem
Mas amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo.
Só quem está disposto a perder tem o direito de ganhar. Só o maduro é capaz da renúncia. E só quem renuncia aceita provar o gosto da verdade, seja ela qual for. O que está sempre por trás dos nossos dramas, desencontros e trambolhões existenciais é a representação simbólica ou alegórica do impulso do ser humano para o amadurecimento. A forma de amadurecer é viver. Viver é seguir impulsos até perceber, sentir, saber ou intuir a tendência de equilíbrio que está na raiz deles (impulsos). A pessoa é impelida para a aventura ou peripécia, como forma de se machucar para aprender, de cair para saber levantar-se e aprender a andar. É um determinismo biológico: para amadurecer há que viver (sofrer) as machucadelas da aventura e da peripécia existencial. A solução de toda situação de impasse só se dá quando uma das partes aceita perder ou aceita renunciar (e perder ou renunciar não é igual, mas é muito parecido; é da mesma natureza). Sem haver quem aceite perder ou renunciar, jamais haverá o encontro com a verdade de cada relação. E muitas vezes a verdade de cada relação pode estar na impossibilidade, por mais atração que exista. Como pode estar na possibilidade conflitiva, o que é sempre difícil de aceitar. Só a renúncia no tempo certo devolve as pessoas a elas mesmas e só assim elas amadurecem e se preparam para os verdadeiros encontros do amor, da vida e da morte. Só quem está disposto a perder consegue as vitórias legítimas. Amadurecer acaba por se relacionar com a renúncia, não no sentido restrito da palavra (renúncia como abandono), porém no lato (renúncia da onipotência e das formas possessivas do viver). Viver é renunciar porque viver é optar e optar é renunciar. Renunciar à onipotência e às hipóteses de felicidade completa, plenitude etc é tudo o que se aprende na vida, mas até se descobrir que a vida se constrói aos poucos, sobre os erros, sobre as renúncias, trocando o sonho e as ilusões pela construção do possível e do necessário, o ser humano muito erra e se embaraça, esbarra, agride, é agredido. Eis a felicidade possível: compreender que construir a vida é renunciar a pedaços da felicidade para não renunciar ao sonho da felicidade.