quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Paulo Coelho

Verônika decide morrer
Os dois testes mais duros no caminho espiritual são a paciência para esperar o momento certo e a coragem de não nos decepcionar com o que encontramos.

Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.

Martha Medeiros

Carta Extraviada 3

      
            Não é da minha natureza esperar que me dêem liberdade, não espero pelo pouco que há de essencial na vida. Sendo liberdade uma delas, eu mesmo me concedo. Ser livre não me ensinou a amar direito, se por direito entende-se este amor preestabelecido, mas me ensinou as sutilezas do sentimento, que, afinal, é o que o caracteriza e o torna pessoal e irreproduzível. Te amo muito, até quando não percebo.
            O amor que eu sinto pode parecer estranho, e é por isso que o reconheço como amor, pois não há amor universal: não, caríssima. Não há um amor internacional, assim como são proclamados os cidadãos do mundo. Cada cidadão, um coração, e em cada um deles, códigos delicados. Se não é este o amor que queres, não queres amor, queres romance, este sim, divulgadíssimo. Te amo muito, e não sinto medo.
            Bela e cega, buscas em mim o que poderias encontrar em qualquer canto, em todo corpo, homens e mulheres ao alcance de teus lábios e dedos, romance: conhecido o enredo, é fácil desempenhá-lo. E se casam os românticos, e fazem filhos e fazem cedo.
            O amor que sinto poderia gerar casamento, pequenos acertos, distribuição de tarefas, mas eu gosto tanto, inteiro, que não quero me ocupar de outra coisa que não seja você, de mim, do nosso segredo. Te amo muito, e pouco penso.
            Esta carta não chegará, como não chegarão ao seu entendimento estas palavras risíveis, estes conceitos que aos outros soariam como desculpa de aventureiro ou até mesmo plágio, já que não há originalidade na idéia, muito difundida, porém bastante censurada. Serei eu o romântico, o ingênuo? Serei o que quiseres em teu pensamento, tampouco me entendo, mas sinto-me livre para dizer-te: te amo muito, sem rendimento, aceso, amor sem formato, altura ou peso, amor sem conceito, aceitação, impassível de julgamento, aberto, incorreto, amor que nem sabe se é este o nome direito, amor, mas que seja amor. Te amo muito, e subscrevo-me.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Clarice Lispector

- Por que é que você me pede tanta aspirina?
Não estou reclamando, embora isso custe dinheiro.
- É para eu não me doer.
- Como é que é? Hein? Você se dói?
- Eu me dôo o tempo todo.
- Aonde?
- Dentro, não sei explicar.


sábado, 4 de setembro de 2010

Carlos Drummond de Andrade

Amor e seu tempo


Amor é privilégio de maduros
Estendidos na mais estreita cama,
Que se torna a mais larga e mais relvosa,
Roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,
O prêmio subterrâneo e coruscante,
Leitura de relâmpago cifrado,
Que, decifrado, nada mais existe
Valendo a pena e o preço do terrestre,
Salvo o minuto de ouro no relógio
Minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida.
Amor começa tarde.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Assim sem disfarçar (Moska)


Eu quero te dar
E quero ganhar o que você me der
Eu quero te amar
Até não saber mais o que isso é
Eu quero querer
Igual a você assim sem disfarçar
E quero escrever
Uma canção de amor para nos libertar

De todos os códigos, hábitos, truques, manias
Que insistem em estar
No meio, no centro, no canto da gente
Em lugares que eu não quero andar

Eu só quero te dar
E quero ganhar o que você me der
Eu quero te amar
Até não saber mais o que isso é
Eu quero querer
Igual a você assim sem disfarçar
E quero escrever
Uma canção de amor para nos libertar

De cada imagem errada
Que a velha palavra usada nos trás
De tudo que signifique
Que para sermos um temos que ser iguais

Eu só quero te dar
E quero ganhar o que você me der
Eu quero te amar
Até não saber mais o que isso é
Eu quero querer
Igual a você assim sem disfarçar
E quero escrever
Uma canção de amor para nos libertar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Leoni / Moska

Soneto do teu corpo

Juro beijar teu corpo sem descanso
Como quem sai sem rumo prá viagem.
Vou te cruzar sem mapa nem bagagem,
Quero inventar a estrada enquanto avanço.

Beijo teus pés, me perco entre teus dedos.
Luzes ao norte, pernas são estradas
Onde meus lábios correm a madrugada
Pra de manhã chegar aos teus segredos.

Como em teus bosques. Bebo nos teus rios.
Entre teus montes, vales escondidos.
Faço fogueiras, choro, canto e danço.

Línguas de lua varrem tua nuca.
Línguas de sol percorrem tuas ruas.
Juro beijar teu corpo sem descanso.

sábado, 28 de agosto de 2010

Fernando Pessoa

Amo como o amor ama.
Não sei razão pra amar-te mais que amar-te.
Que queres que te diga mais que te amo,
Se o que quero dizer-te é que te amo?

Eça de Queiroz


-Tinha suspirado... Tinha beijado o papel devotadamente.
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades,
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido.
Sentia um acréscimo de estima por si mesma,
E parecia-lhe que entrava enfim
Numa existência superiormente interessante;
Onde cada hora tinha o seu encanto diferente...
Cada passo conduzia a um êxtase...
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.

Mila Ramos


Eu te amo de um amar antigo
- sabor de antigamente
no velho caderno das lembranças -.
Eu te amo assim, de um amar antigo,
intocado,
abstrato,
indizível,
atemporal.
Assim.



Pablo Neruda


NÃO TE AMO como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Adriana Calcanhotto -- Uns Versos - Vídeo Oficial



Sou sua noite, sou seu quarto
Se você quiser dormir
Eu me despeço
Eu em pedaços
Como um silêncio ao contrário
Enquanto espero
Escrevo uns versos
Depois rasgo

Sou seu fado, sou seu bardo
Se você quiser ouvir
O seu eunuco, o seu soprano
Um seu arauto

Eu sou o sol da sua noite em claro,
Um rádio
Eu sou pelo avesso
sua pele, o seu casaco

Se você vai sair,
O seu asfalto
Se você vai sair
Eu chovo

Sobre o seu cabelo pelo seu itinerário
Sou eu o seu paradeiro
Em uns versos que eu escrevo
Depois rasgo

Douglas Kim

 
Mas não é preciso muito. Nunca havia notado que não era necessário ir até a Fontana di Trevi para dizer “Seja minha.” Ser justo e correto, apenas isso, sempre. Tanto os puros quanto os pecadores vão à igreja e rezam; eu vou à sua casa e lavo a louça, como um ato de devoção.

Sarah Kane


Eu não bebo. Odeio cigarro. Sou vegetariano. Não fico fodendo por aí. Nunca procurei uma prostituta e nunca tive nenhuma doença sexualmente transmissível, além de sapinho. Posso não ser o único, mas que sou uma raridade, isso sou.

domingo, 22 de agosto de 2010

Enrique Gómez-Correa

 
Debaixo da ponte do arcebispo, junto a uma verdadeira
corte dos milagres, reúnem-se os mendigos.
Mendigos cristãos, mendigos ateus, mendigos budistas,
mendigos muçulmanos, mendigos judeus.
Enfim, mendigos de todas as cores.
Discutem o resultado do sim e não a suas petições.
Discutem a desvalorização da moeda e
a proliferação de falsos mendigos.
O mendigo cristão fala da perda de
prestígio da caridade nos dias de hoje.
O mendigo ateu disserta sobre o não-deus e
suas pouco eficazes prédicas no deserto.
O mendigo budista fala das dificuldades atuais de
que padece a transparência do nirvana.
O mendigo muçulmano insiste na urgência de
alguns fanatismos em nome de Alah.
O mendigo judeu lamenta que freqüentes ataques de
ira de Jeovah caiam sobre sua cabeça.
E o mendigo de outras cores se queixa das
queixas dos mendigos queixosos.
Depois, tudo termina e os peregrinos voltam às
suas respectivas igrejas, maldizendo
os usurpadores de seus respectivos direitos.