quarta-feira, 20 de outubro de 2010
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres
Clarice Lispector
Lóri ligou o número de telefone:
- Não poderei ir, Ulisses, não estou bem.
Houve uma pausa. Ele afinal perguntou:
- É fisicamente que você não está bem?
Ela respondeu que não tinha nada físico. Então ele disse:
- Lori, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranqüilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
- Por que é que você nunca se casou? perguntou ela incongruentemente.
- É que – e sua voz era a voz de quem sorria – é que não senti necessidade e por sorte tive as mulheres que eu quis.
Ela se despediu, abaixou a cabeça em pudor e alegria. Pois apesar de, ela tivera alegria. Ele esperaria por ela, agora o sabia. Até que ela aprendesse.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
José Saramago
“… afinal, há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte.”
Dom Quixote
Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca.
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca.
sábado, 2 de outubro de 2010
Raduan Nassar in Lavoura Arcaica
É egoísmo, próprio de imaturos, pensar só nos frutos, quando se planta; a colheita não é a melhor recompensa para quem semeia; já somos bastante gratificados pelo sentido de nossas vidas, quando plantamos, já temos nosso galardão só em fruir o tempo largo da gestação…
Erico Verissimo in Um Certo Capitão Rodrigo
E, quanto mais tempo passava, mais Rodrigo compreendia ser-lhe impossível viver sem Bibiana. O que a princípio fora apenas desejo carnal agora era também um pouco ternura: era amor. E o cap. Cambará inquietava-se por isso. Porque sempre lhe parecera que o único amor digno dum homem era esse que apenas pede cama. O amor de fazer ou cantar versos e mandar flores, esse amor de doer no peito, de dar saudade era amor de homem fraco. Ele cantava versos que falavam em tiranas, saudade e mágoa, só por brincadeira, sem sentir de verdade as coisas que dizia. No entanto, agora estava enfeitiçado por Bibiana Terra. E, em fins daquele dezembro quente e parado, Rodrigo Cambará pela primeira vez compreendeu o profundo sentido dum ditado popular: “Quem anda cego de amor não sabe se é noite ou se é dia”.
Jean-Yves Leloup
Amamos tão pouco e tão mal, com uma metade ou até mesmo com um quarto de nós mesmos. E amamos, no outro, alguns pedaços escolhidos, os mais conhecidos, aqueles que nos causam menos medo. É tão raro amarmos alguém por inteiro, com aquilo que nos agrada e com aquilo que não nos agrada. É tão raro sermos amados por inteiro, com nossas cavidades de sombra, com nossos dorsos de luz.
Mia Couto
Como ele sempre dissera:
o rio e o coração, o que os une?
O rio nunca está feito, como não
está o coração. Ambos são sempre
nascentes, sempre nascendo.
Ou como eu hoje escrevo:
milagre é o rio não findar mais.
Milagre é o coração começar sempre
no peito de outra vida.
Milan Kundera in A Insustentável Leveza do Ser
Sabina via Franz passear pelo quarto brandindo bem alto a cadeira, o que lhe parecia ridículo e a enchia de uma estranha tristeza.
Franz pousou a cadeira e sentou, o rosto virado para Sabina.
“Não é que eu goste de ser forte”, disse, “mas de que me servem estes músculos em Genebra? Carrego-os como um enfeite. São as plumas do pavão. Nunca quebrei a cara de ninguém.”
Sabina continuava com suas reflexões melancólicas. E se ela tivesse um homem que lhe desse ordens? Que a dominasse? Quanto ela o suportaria? Nem cinco minutos! Donde concluiu que nenhum homem lhe convinha. Nem forte, nem fraco.
Disse: “E por que você não usa sua força contra mim de vez em quando?”.
“Porque amar é renunciar à força”, respondeu Franz docemente.
Franz pousou a cadeira e sentou, o rosto virado para Sabina.
“Não é que eu goste de ser forte”, disse, “mas de que me servem estes músculos em Genebra? Carrego-os como um enfeite. São as plumas do pavão. Nunca quebrei a cara de ninguém.”
Sabina continuava com suas reflexões melancólicas. E se ela tivesse um homem que lhe desse ordens? Que a dominasse? Quanto ela o suportaria? Nem cinco minutos! Donde concluiu que nenhum homem lhe convinha. Nem forte, nem fraco.
Disse: “E por que você não usa sua força contra mim de vez em quando?”.
“Porque amar é renunciar à força”, respondeu Franz docemente.
Assinar:
Comentários (Atom)







