sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Martha Medeiros

Mamãe Noel

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ticcia


A verdade, mais tola e mais simples, mais certa e mais secreta é que me fazes falta, esse vácuo, esse oco sem precisão ou contorno, sem nome ou lógica. Tu me fazes falta e me fazes carregar comigo uma ausência indefinível e perpétua, um esgar que é antes um tatear no vazio do que um estender de mão em direção a algo. Tu me fazes falta, me cavas um buraco, pões em meu rosto um borrão que não me desfigura, antes me torna um enigma para mim mesma. E venho me definindo e me reconfigurando ao redor disto: da tua falta. Sou esta que se ressente da tua ausência sem saber mais sequer como é a tua presença, que forma tem o teu corpo, qual o cheiro do teu hálito, qual a cor dos teus olhos, que gosto tem a tua boca assim que despertas. E, no entanto sei disso: me fazes falta, essa falta ampla e completa que toma o dia cada vez que me vem o teu nome, essa falta que abre uma fresta no tempo, que suspende os ruídos do mundo, que modifica a direção do vento e que toma o centro de mim e ao redor da qual eu brinco de ser uma outra, que eu inventei para parecer que continuei vivendo.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cecília Meireles

Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.

Ed René Kivitz in Vivendo com Propósitos


Amar é estar disposto a morrer, pelo menos ser como um morto – um ausente, não-existente – para aquele que se ama. Indo mais longe, amar é abrir mão de tudo, inclusive de si mesmo. O Diabo quer expandir-se e engolir tudo para tudo chamar de “eu”. Deus quer esvaziar-se. Nós estamos entre estes dois arquétipos: existir em favor do outro, numa parceria de amor ou existir em função do eu, numa guerra tirânica entre egos.

Rubem Alves


Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver o que se ama.