Eu creio firmemente que é pela poesia que tudo vai começar.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Manoel de Barros
Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão, tipo água, pedra, sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: amo os restos, como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: sou da invencionática... Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Cristovão Tezza
(...), e ao mesmo tempo intrometeu-se a idéia de que ela gosta de literatura pesada, de becos sem saída, de agressões surdas, de aporias, incomunicabilidades exasperantes e gaguejantes – mas só na literatura, na vida ela quer final feliz, (...) na vida ela quer se sentir bem e se sentir amada, na vida ela quer a doce sensação de permanência – a doce sensação de permanência – ela sussurrou, será que isso é bom?
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
3º verão de vinte e cinco 28
José Saramago
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra: Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
3º verão de vinte e cinco 28
Carlito Azevedo
Sobre esta pele branca
um calígrafo oriental
teria gravado
sua escrita luminosa
– sem esquecer entanto
a boca: um ícone em rubro
tornando mais fogo
o céu de outubro
tornando mais água
a minha sede
sede de dilúvio –
Talvez este poeta afogado
nas ondas de algum danúbio imaginário
dissesse que seus olhos são
duas machadinhas de jade
escavando o constelário noturno
(a partir do que comporia duzentas odes cromáticas)
mas eu que venero mais que o ouro-verde raríssimo
o marfim em alta-alvura
de teu andar em desmesura sobre
uma passarela de relâmpagos súbitos
sei que tua pele pálida de papel
pede palavras de luz
Algum mozárabe ou andaluz decerto
te dedicaria um concerto
para guitarras mouriscas
e cimitarras suicidas
Mas eu te dedico quando passas
me fazendo fremir
(entre tantos circunstantes, raptores fugidios)
este tiroteio de silêncios
esta salva de arrepios.
domingo, 26 de dezembro de 2010
sábado, 25 de dezembro de 2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Martha Medeiros
Mamãe Noel
Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.
Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?
Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?
Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?
Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.
sábado, 18 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Ticcia
A verdade, mais tola e mais simples, mais certa e mais secreta é que me fazes falta, esse vácuo, esse oco sem precisão ou contorno, sem nome ou lógica. Tu me fazes falta e me fazes carregar comigo uma ausência indefinível e perpétua, um esgar que é antes um tatear no vazio do que um estender de mão em direção a algo. Tu me fazes falta, me cavas um buraco, pões em meu rosto um borrão que não me desfigura, antes me torna um enigma para mim mesma. E venho me definindo e me reconfigurando ao redor disto: da tua falta. Sou esta que se ressente da tua ausência sem saber mais sequer como é a tua presença, que forma tem o teu corpo, qual o cheiro do teu hálito, qual a cor dos teus olhos, que gosto tem a tua boca assim que despertas. E, no entanto sei disso: me fazes falta, essa falta ampla e completa que toma o dia cada vez que me vem o teu nome, essa falta que abre uma fresta no tempo, que suspende os ruídos do mundo, que modifica a direção do vento e que toma o centro de mim e ao redor da qual eu brinco de ser uma outra, que eu inventei para parecer que continuei vivendo.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Cecília Meireles
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
És tu.
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