domingo, 28 de outubro de 2007

Fabrício Carpinejar

COBRANÇAS

Pedir um abraço, cobrar um beijo e exigir carinho não combinam com o amor. A cobrança aniquila com a possibilidade de oferecer e de receber o afeto. Como beijar depois de escutar "não me dás mais beijo"? Como transar depois de ouvir "não transas mais comigo"? O que é voluntário vai parecer obrigatório, o que é escolha vai parecer induzido, o que é vontade vai parecer condicionamento. Por que transformar a convivência em coleta de impostos? Será que não se está levando o trabalho para casa, a empresa para a casa, o demônio do cartão-ponto para dentro da carne? Qual é o prazer de pressionar, de impor resultados e regras, de controlar o que é para ser incontrolável? Por que difamar a única verdade que se tem?

É fácil perguntar, difícil é ouvir a resposta sem se mexer, até o final. É fácil atacar para aumentar a culpa, difícil é compreender sem defesas. Cobrar afeto é pior do que agredir fisicamente. Incha mais do que um tapa na cara. É cortar as palavras mais do que os lábios. Assume-se a condição de credor, como se o amor fosse uma dívida. Assume-se uma posição superior em relação ao cobrado. Uma posição hierárquica, de chefe reivindicando o cumprimento dos prazos. Não se cobra o que é espontâneo. Entra-se no solo movediço e insano do recalque. O recalque é uma carência que não conversa mais. É uma carência arrogante, cleptomaníaca, que furta do amor para gastar com a solidão.

Não estou me referindo ao ciúme. A cobrança por afeto não decorre do ciúme, da insegurança, mas se origina no excesso de segurança que beira o autoritarismo. Representa a posse, a mania totalitária de não permitir as imperfeições e desejos contrários. Ah, se a pessoa com quem amamos não está a fim de um beijo ela não me ama mais! Que exagero infantil. Toda hora se deseja ouvir 'eu te amo" como se o amor fosse chiclete para ocupar a boca. Talvez seja mais linguagem de sinais. Depende de reciprocidade, de atmosfera, do outro estar com a cabeça leve e descomplicada para fluir. Não depende só da gente. Nem sempre se está disposto a viver em voz alta. Há períodos destinados a sussurros e cochichos.

Não se pode amar por caridade ou por orgulho, senão cobraremos. Assim como é necessário diferenciar a expectativa do amor, a euforia da alegria, a depressão da dor, pois são sentimentos bem diferentes.

Deve-se tomar cuidado para que não seja criado dentro alguém que não existe fora. Ou criar fora alguém que não existe dentro. O amor não é versão de Windows que é atualizado a cada ano para girar mais rápido. O amor é lento mesmo.

Fabrício Carpinejar


Horóscopo

ÁRIES
20/3 a 20/4


* Os insetos são flores suicidas.
* Não há maior violência do que a suavidade.
* Vivo me espalhando, o único modo de me concentrar.
* A sombra é apressada para quem foge dela.
* Nunca chego a um trato com quem deixei de ser.
* Arrumo os poemas como um álbum de fotografias de uma família que não tive.

TOURO
21/4 A 20/5


* Vou devagar para o longe chegar perto, no grito!
* Quando se tem razão é aconselhável negar, mentir.
* Ter desejado é minha única posse, depois abandono.
* Ainda não sei se queria morder teus lábios ou tua voz.
* Não confie nos objetos do antiquário. Eles mentem sua idade.
* Faço amizade comigo para tomar uma cerveja.

GÊMEOS
21/5 A 20/6


* Ela não guarda as cartas de amor; ela se guarda para as cartas de amor.
* As mentiras, quando escritas, não se tornam verdades.
* Metade do que vivo é imaginação. A outra metade é conseqüência dela.
* A solidão é uma saudade sem destinatário.
* Passei um tempo enorme para fazer um estilo. Agora o trabalho maior é desfazê-lo.
* O elogio da modéstia é a pior vaidade.

CÂNCER
21/6 A 21/7


* Somos milagres habituados.
* - Sabe, aqui dentro a sensação é que não se tem futuro.
- Não, aqui dentro a sensação é que a gente não tem passado.
* Quando o casamento acaba, somente os erros são devolvidos.
* Minha mãe fala "pronto" ao atender o telefone. Não estou preparado.
* A água é muito influenciável. Toma a forma do que vê.
* Eu tenho da verdade o pressentimento.
* As fotografias são fiéis ao que ficou fora delas.

LEÃO
22/7 a 22/8


* Não quero alma gêmea. Isso é incesto.
* Antes sem modos do que seguir moda.
* O violino é um porão de cordas. Desço as escadas no escuro.
* Transborda-se com o mínimo.
* Os botões atrasam a nudez para não perder nada.
* Não há maior vaidade do que se abandonar.

VIRGEM
23/8 a 22/9


* Quem tem letra ilegível passa a complicar todo o resto.
* Mais se faz um poema rejeitando as palavras erradas do que escolhendo as certas.
* Só converso com Deus se tenho carona de volta.
* O dicionário é a agenda da eternidade.
* Uma beata espantava os demônios com os mistérios gozosos.
* Mais fácil dividir a migalha do que o pão.

LIBRA
23/9 a 22/10


* Uma árvore é enterrada de pé. Como uma guitarra.
* O sobrenatural é a rotina. Repetir tudo exatamente igual não é fácil.
* A feição envelheceu com unidade. Até os óculos acompanharam.
* O que eu vou ser quando crescer é o que não tive tempo de fazer na infância.
* A poesia é como os pedais do piano, o leitor presta atenção nas mãos do pianista.
* Há dois tipos de ex-mulher. A que torna todas as escolhas futuras erradas depois da separação e a que torna todas as escolhas futuras acertadas depois da separação. O resto é poesia ou Vara de Família.

ESCORPIÃO
23/10 a 21/11


* Se as mulheres soubessem o que os homens falam entre si, sentiriam vergonha de seu ciúme.
* Eu assusto meus próprios medos com minha entrega.
* Desconfio quando estou livre e sem marcação. Deve ser impedimento.
* O poema é uma mão tremendo. Seguro no poema, não para aliviar o tremor, para ser contagiado por ele. Romântico todo.
* Nem eu sou meu discípulo. É muita intensidade!
* Não confio no copo. Deixo todo veneno em minha boca.

SAGITÁRIO
22/11 a 21/12


* Quero morrer sem sobrar vida para contar.
* Agradeço meus limites. Não me suportaria infinito.
* Por que temos a impressão de que o tempo passa rápido mas o que ocorreu na semana passada parece ter sido algo de outro século?
* Meus fantasmas são discretos como um prato de sopa.
* - Tens urgência de rio?
- Não, mas curiosidade oceânica.
* Deus faz comício, mas o domingo é o único dia que não quero me salvar.

CAPRICÓRNIO
22/12 a 20/1


* Costumo repetir o que não aconteceu.
* Dificilmente o vento encontra um tradutor competente que não o transforme em brisa ou em dilúvio.
* Procuro uma rua sem saída para subir os olhos.
* Quando não há ninguém para incomodar, arruma-se encrenca com a própria estima.
* Sobre o surgimento de Adão: "como pode um homem sem infância?"
* Meu pai se barbeava sem espelho. Minha mãe se penteava sem espelho. Sou filho da cegueira!

AQUÁRIO
21/1 a 18/2


* Música é dar voltas na mesma frase.
* Eu vivo o que não consegui imaginar. Depois choro. Que triste!
* Ninguém nasce para não perturbar.
* Ao receber excremento de aves, chamo a sujeira de sorte.
* A brasa dorme sempre com a chave do lado de fora.
* Não fui avisado que estava vivo. Como uma corrida que começou e não ouvi a contagem. Acorda!

PEIXES
19/2 a 19/3


* O que não foi vivido totalmente volta.
* O mar dorme tentando se ouvir.
* a paisagem muda com a cigarra muda
* A luz é cicatriz!
* Se cada um é o segredo da vida do outro, todo encontro é uma denúncia anônima.
* Ignorar Deus é ainda um jeito de permiti-lo.