segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Adélia Prado
Fui dormir umas vezes, tão feliz, que, se soubesse minha força, levitava. Em outras, tanta foi a tristeza que fiz versos.
Álvaro de Campos
Minha dor é velha como um frasco de essência cheia de pó. Minha dor é inútil como uma gaiola, numa terra onde não há aves, e minha dor é silenciosa e triste como a parte da praia onde o mar não chega...

IRA! - Entre seus rins

Te amo!
Isso eu posso te dizer
Como eu gosto de você
Como eu gosto de você...

Te quero!
Isso é tudo que eu sei
Que eu gosto de você
Ah! Como eu gosto de você...

O que eu sinto
Não é difícil explicar
É o amor
Como uma fonte a jorrar
Pura emoção...

E o meu sonho
Nem consigo me lembrar
Mas o certo
É que você estava lá
Sonho real!
Sonho real!...

Seu beijo!
Minhas mãos em seu quadril
Madrugada tão febril
Ah! Como eu gosto de você...

Meu exílio!
É em seu corpo inteiro
És meu país estrangeiro
Ah! Como eu gosto de você...

Me deu o dedo
Eu quis o braço e muito mais
Agora estou a fim
De ficar entre os seus rins...


Cecília Meireles
Todos os espetáculos de beleza que a vida não nos deixou realizar sairão, portanto, do mistério que os oprime, com a força invencível das ressurreições.

O vestibular da fossa

Fabrício Carpinejar

Superar uma dor de amor é o equivalente a estudar para o vestibular. Tranca-se no quarto, são recusados convites para sair e se divertir, a história pessoal é revisada, sublinhada e decorada à exaustão. Não mais o esporte, não mais as festas, não mais os bares. Os únicos amigos preservados são os travesseiros. Fala-se pouco, come-se devagar, experimenta-se um emagrecimento involuntário que dá mais certo do que uma dieta consciente. Aquela sonhada perda de sete quilos realmente acontece, na hora e no jeito errados. Não festejamos, não percebemos, não alardeamos a forma física, a tristeza encabula o corpo. Somos um par de olheiras e uma boca confusa. As reticências do período tanto podem ser suspiros como gemidos.

A única missão que resta é estudar, não para seguir uma profissão. Estudar para seguir a própria vida. Estudar para se manter de pé ou definitivamente cair. Na dor do amor, o desejo é chegar ao fundo de si, mas o fundo de si está na pessoa que deixou de nos amar. E nunca se chega ao fim. O fim não está mais com a gente. Foi junto com quem traiu a fidelidade que acreditávamos.

A dor do amor oferece igual preparação de uma prova difícil. Uma prova que não importa a doação, o resultado é conhecido. O que se queria já se perdeu. Um vestibular que significará esforço e não celebração. Um vestibular onde se é desclassificado antes da inscrição.

Não cumprimos a rotina, mal e forçosamente ficamos de pé. Os pijamas e abrigos pedem na Justiça a guarda da pele. É um luto sem enterro. Um luto sem cadáver. Um luto sem missa de sétimo dia. Um luto sem familiares se aproximando e tentando consolar. Um luto sem pêsames e garantia social. Um luto obrigado a trabalhar no dia seguinte. Um luto que não se explica. Um luto que não merece nem um anúncio de jornal para avisar que acabou. Um luto em que o sofredor poderá se encontrar com seu sofrimento em carne e osso na próxima esquina.

Acorda-se com a sensação de pesadelo, dorme-se com a sensação de pesadelo. Fase de transição, em que se confia sinceramente que nada será melhor do que antes. Quem tinha humor fica cínico. Chora-se no princípio com força, depois o choro é um hábito, perde a concentração e vira um resmungo intermitente. Não se faz outra coisa senão a de remoer o tempo, de repisar fotografias, vídeos, cartas. Reler e revisar o que foi esquecido no Ensino Fundamental e Médio. São meses de exílio, de sacrifício, a mostrar que se é capaz de sofrer a sério por alguém e abdicar do que se mais gostava.

A fossa do amor não é uma encenação. Ao passar por ela, termina a confiança irrestrita, a esperança ingênua. As pessoas que sofreram esse descompasso são reconhecíveis de longe. Não se alegrarão de todo. Uma saudade vai retirar a velocidade dos ouvidos. Não se abrirão de novo como uma vitória-régia. Têm uma sutileza que as diferenciam dos demais, o tolhimento do abandono. E poderão no futuro amar melhor porque não mais estarão sozinhas. Estarão sempre conversando e consultando sua dor.

Adélia Prado
É tão breve tudo, a estrela risca o céu de escuro a escuro e findou-se a vida.
Roland Barthes
Um outro dia, embaixo da chuva, esperamos um barco à beira de um lago; a mesma lufada de aniquilamento me atinge, desta vez por felicidade. Assim, às vezes, a infelicidade ou a alegria desabam sobre mim, sem nenhum tumulto posterior, nenhum outro sentimento: estou dissolvido, e não em pedaços: caio, escorro, derreto. Este pensamento levemente tocado, experimentado, tateado como se tateia a água com pé pode voltar. Ele nada tem de solene. É exatamente a doçura.