quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres


Clarice Lispector
Lóri ligou o número de telefone:
- Não poderei ir, Ulisses, não estou bem.
Houve uma pausa. Ele afinal perguntou:
- É fisicamente que você não está bem?
Ela respondeu que não tinha nada físico. Então ele disse:
- Lori, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranqüilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
- Por que é que você nunca se casou? perguntou ela incongruentemente.
- É que – e sua voz era a voz de quem sorria – é que não senti necessidade e por sorte tive as mulheres que eu quis.
Ela se despediu, abaixou a cabeça em pudor e alegria. Pois apesar de, ela tivera alegria. Ele esperaria por ela, agora o sabia. Até que ela aprendesse.