De amor devíamos falar em surdina; é o mais frágil dos materiais humanos. Um grito e muda-se em instalação de cacos, uma inclinação do olhar e perde-se na máquina da multidão. Distrai-se o amante e transforma-se em simples coisa amada, acariciada, gasta como a concha que se guarda e se esquece, empurrada pelo mar para o fundo do armário. Tropeçamos nele quando já nem nos lembrávamos da gaveta onde o havíamos escondido até à memória do olvido derradeiro - em que praia encontramos esta concha? De que cor era quando nos atraiu, no seu brilho intermitente, alagado de sol? Tocamos-lhe, anos depois, e a rocha vermelha de que é feito esse bicho hibernante a que chamamos coração começa a mover-se de novo, esquecendo a decisão antiga que o acalmara em mineral. O coração que acorda não recorda a dor que o adormeceu; esqueceu tudo menos o tormento voluptuoso desse tempo de entrega que não passou. Ruíram as pontes, esboroaram-se as moradas, mas o tempo não passou - o tempo desse processo revolucionário em curso, a sépia e sangue, que só depois reconhecemos como filme da nossa vida.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Roland Barthes
Que é que eu penso do amor? — Em suma não penso nada. Bem que eu gostaria de saber o que é, mas estando do lado de dentro, eu o vejo em existência não em essência. O que quero conhecer - o amor - é exatamente a matéria que uso para falar - o discurso amoroso. A reflexão me é certamente permitida, mas essa reflexão é logo incluída na sucessão das imagens, ela não se torna nunca reflexividade: excluído da lógica - que supõe linguagens exteriores umas as outras - não posso pretender pensar bem. Do mesmo modo, mesmo que eu discorresse sobre o amor durante um ano, só poderia esperar pegar o conceito "pelo rabo": por flashes, fórmulas, surpresas de expressão, dispersos pelo grande escoamento do Imaginário; estou no mau lugar do amor, que é seu lugar iluminado: 'O lugar mais sombrio...' - diz um provérbio chinês - 'é sempre embaixo da lâmpada.'
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