segunda-feira, 13 de julho de 2009

Jussára C. Godinho

Cumplicidade:
Pactuar o desejo,
combinar a necessidade,
aproveitar o ensejo,
ajustar a ansiedade.

Aliar a emoção,
harmonizar o humor,
ligar o coração,
sonhar o amor!

Cumplicidade:

Compartir sentimentos!



Fabrício Carpinejar

Em defesa da normalidade

(...)
Proponho a defesa da normalidade. Um elogio à pacatez. Chega de pensar que a intensidade está em superar os limites. A intensidade é aproveitar os limites. É viver todas as possibilidades de um mesmo ritual. Repetir, repetir, para aperfeiçoar as variações. Contar uma mesma história para reparar e se deliciar com as pequenas mudanças.

Quero mais é ser normal. Brincar no parque, rolar na grama, andar de mãos dadas, dançar até perder o domínio dos pés, tomar sorvete em noites tórridas, cuidar dos filhos, namorar na frente da televisão, buscar um cobertor para aquecer a mulher quando ela dorme na sala, assobiar para espantar o tédio, comentar a violência e a política na parada de ônibus, bagunçar as gavetas no trabalho, usar tênis folgado para as caminhadas. Quero mais as alegrias perecíveis. Um café da manhã com direito a farelos na toalha e goiabada no chão. Quero mais naufragar na rotina. Fazer tudo exatamente igual porque gosto, porque escolhi essa vida e não foi imposta, porque quando amo nada se esgota, nada tem fundo.

Muitos proclamam a loucura porque não estão nela. Cômodo assistir as brasas do inferno de longe. É também uma forma de se eximir da responsabilidade. Fácil declarar que se é louco para não arcar com as conseqüências, tanto aqui como no tribunal.

Ser louco não é coisa boa. Não traz consolo, prazer ou conhecimento. Ser louco é uma profissão estressante, sem amigos. O louco desconfia de sua própria imaginação. Ele pena para manter sua saúde.

Martha Medeiros

O amor nos tempos de hoje

Na era dos entusiasmos superficiais, ficou até cafona se falar em amor e demais palavras correlacionadas. Beijo no coração? Tenha piedade.
Da televisão, ele sumiu, evaporou. A Internet ele nunca chegou a freqüentar. Nas páginas de revista, faz tempo que não dá as caras. Foi trocado pela paixão instantânea e pelo sexo ocasional. Estou falando do amor, lembra dele? Pois é, foi escorraçado da mídia.

Hoje em dia, casais se unem por desejo, oportunidade ou conveniência. Todos querem se apaixonar amanhã e somar mais um nome ao seu currículo pessoal de aventuras, que se pretende vasto. Cultivar um amor para sempre? Nem pensar. O amor deixou de ser inspirador. Já deu os versos que tinha que dar. O amor demora muito para se estabelecer e depois dura demais. Quem tem paciência e tempo, hoje, para se dedicar a uma só pessoa? O amor faz sofrer, faz chorar, e, além disso, não rende matéria no Segundo Caderno, não é encontrado no Youtube. O amor está obsoleto, não se usa mais. Segue valorizado apenas no cinema e nos romances de ficção, através de autores que não desistem de investigar esse sentimento que é tão difícil de se concretizar da maneira como o idealizamos. Todo amor parece impossível, tanto nos livros como na vida real. E talvez esteja aí a razão da sua força e mistério e do medo que ele nos provoca.

O amor é muito mais exigente do que a paixão: ele pressupõe a reconstrução de duas vidas a partir de uma troca de olhares, que é como tudo geralmente começa. Enquanto a paixão se esgota em si mesma e não está interessada no amanhã, o amor é ambicioso, se pretende eterno, e para pavimentar essa eternidade não mede esforços. Duas pessoas que nunca se imaginaram juntas de repente atendem a um chamado interno do coração (desculpe o termo, não encontrei outro mais moderno) e investem nessa união de olhos abertos (a paixão é vivida de olhos fechados). O amor é uma loucura disfarçada de sanidade.

Não fosse uma loucura, o amor não seria o que é: lírico e profundo, rebelde e transformador. Amar é a transgressão maior. É quando rompemos com a nossa solidão para inaugurar uma vida compartilhada e inédita. Isso é ou não é uma doideira?
Mais ainda: poderíamos dizer que o amor é um processo de autodesconhecimento. Você nunca conviveu com a pessoa que começou a amar, portanto você precisa conhecê-la, e ela a você. Diante dessa página em branco, somos obrigados a nos passar a limpo, e para isso é preciso relativizar as certezas acumuladas até então e abrir-se para a formação de uma nova identidade. Passamos a ser recicláveis. O autoconhecimento nos dá respostas seguras sobre nós mesmos, mas segurança demais pode nos paralisar. O autodesconhecimento é que nos empurra pra frente.
Todos nós já tivemos a chance de amar. Alguns, uma única vez, mas a maioria de nós teve várias oportunidades, diversos amores. Amores curtos, mas inesquecíveis. Amores que terminaram, mas que geraram filhos. Amores que naufragaram, mas que nos amadureceram. Amores duradouros, que ainda não acabaram. Todos eles nos incentivando a continuar a tentar, porque de amar ninguém desiste.

O desprestígio do amor talvez venha da pressa de viver, da urgência dos dias, da necessidade de “aproveitarmos” cada instante: é como se o amor fosse um impedimento para o prazer. Francamente, o que se aproveita, de fato, quando não se sente coisa alguma? A resposta é: coisa alguma. Do que se conclui que o amor nunca será cafona, pois nada é mais revolucionário e poderoso do que o que a gente sente. Nada. Nem mesmo o que a gente pensa.