domingo, 23 de outubro de 2011

Anne Ventura


E só queria contar a ela, que o sofrimento é ruim sim. Que as lágrimas que se jogam desesperadas ao chão são sempre mais dolorosas que parecem ao resto do mundo. Que tem horas que é preciso gritar, gritar até perder a voz. Que a vida não é assim tão fácil, que está mais praqueles livros que tinham que ler. Que as pessoas no final das contas não são tão boas quanto esperavam que fossem, que era uma regra geral que tendiam a decepcionar, a magoar, a machucar. Que mais cedo ou mais tarde a dor viria, por mais banal que fosse o motivo. Que a vida é aquela conhecida roda da fortuna, que roda, e roda. Que você perde. Que você ganha. Queria lhe dizer da dor, da tempestade, da maldade, do sofrimento, da decepção, do vazio, da morte, do nada. Queria lhe falar tanto, e já tinha lhe dito tanto. Mas, o mais importante é embaralhar as cartas, fechar os olhos, confiar que os dedos vão se guiar para o caminho menos ruim, interpretar. Mas não guiar-se cegamente pelas figuras. É necessário abrir os olhos, tirar as lágrimas que embaçam a vista. E assim como se tem olhos para chorar, há a brisa pra secar. O amor é tão doce quanto é amargo, assim como as pessoas, os dias, as vidas. Que caminhem. Sem correr. Sem estagnar. Quanto mais vento em contato, maior a chance de a lágrima evaporar.

Ana Jácomo


Quando a minha mente está calma, eu acesso uma confiança que é descanso e proteção. Uma fé genuína na preciosidade da vida. Sinto que tudo em mim se reorganiza, silenciosamente, o tempo todo. Que isso tem mais a ver com o meu olhar, com a natureza das sementes que rego, do que eu possa perceber. Minha expectativa, tantas vezes ansiosa, de que as coisas sejam diferentes, dá lugar à certeza tranquila de que, naquele momento, tudo está onde pode estar. Em vez de sofrer pelas modificações que ainda não consigo, eu me sinto grata pelas mudanças que já realizei. E relaxo.
Quando a minha mente está calma, eu acesso uma clareza que me permite sentir, com mais nitidez, que há uma sabedoria que abraça todas as coisas. Que o tempo tem uma habilidade singular para reinventar nosso roteiro com a gente, toda vez que redefinimos o que, de verdade, nos importa. Que há um contentamento perene no nosso coração. Um espaço de alimento amoroso. Uma fonte que buscamos raras vezes, acostumados a imaginar a felicidade somente fora de nós e a deslocá-la para distâncias onde não estamos.

Fernanda Mello


Sigo a vida conforme o roteiro, sou quase normal por fora, pra ninguém desconfiar. Mas por dentro eu deliro e questiono. Não quero uma vida pequena, um amor pequeno, um alegria que caiba dentro da bolsa. Eu quero mais que isso. Quero o que não vejo. Quero o que não entendo. Quero muito e quero sem fim. Não cresci pra viver mais ou menos, nasci com dois pares de asas, vou aonde eu me levar. Por isso, não me venha com superfícies, nada raso me satisfaz. Eu quero é o mergulho. Entrar de roupa e tudo no infinito que é a vida. E rezar – se ainda acreditar – pra sair ainda bem melhor do outro lado de lá.