terça-feira, 1 de março de 2011

Lacan


Amar é dar o que não se tem. Ou seja: o amor é o encontro de dois saberes inconscientes. Amar é dar o que não se tem a quem não o é, isto é, ama-se um ser para além do que ele parece ser. O amor é dar o que não se tem, e só se pode amar fazendo-se como se não se tivesse, mesmo que se tenha. O amor como resposta implica o domínio do não ter. Dar o que se tem é o engodo; não é o amor. O que se busca ao amor é a parte para sempre perdida de si mesmo, constituída pelo fato de que ele não passa de um vivente sexual, mortal.

José Luis Peixoto


A memória dela a olhar-me. O seu rosto tão bonito da primeira vez que o vira. Dentro de mim, carregava o primeiro lugar em que a vira. Para sempre, carregaria dentro de mim o primeiro lugar em que a vira. A escuridão obsidiante a repetir-se a si própria vezes e vezes. Um espelho de escuridão a reflectir apenas escuridão em todas as direcções. A ausência dela a ser tudo o que não existia. Tudo o que existia era ela não existir. Eu, com a voz do meu pensamento, perguntava onde estás, amor? Perdido, abandonado, perguntava, onde estás, amor? Perguntava ao vazio, à ausência, e o vazio, a ausência, não me respondiam. Os meus olhos abriram-se. Sentia a minha mão a tremer. A noite polia o luto no ar do quarto. Sentia a minha mão a tremer.