segunda-feira, 22 de março de 2010

Mário de Andrade




Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.  Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral. 'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...  Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!

Fabrício Carpinejar



O sexo é uma verdade privada que se torna mentira pública.
Na hora de fazer, a franqueza. Na hora de contar, a distorção.
Há um mito de que qualquer transa atravessa a madrugada. Não conheço guepardo, mas somente maratonista na cama. Ejaculação precoce é o de menos, o domínio é da ejaculação retardada. Não há um amigo que diga que transou quinze minutos. Nunca. São sempre horas e horas de carícias e afagos e preliminares.
Ou todos usam Viagra ou todos mentem.
Não sei se o brasileiro é o melhor amante. Não existe como saber. A única pesquisa de opinião confiável é a feita com Deus após a morte e, até agora, não foram anunciados os resultados. Não há boca-de-urna confiável da intimidade.
Corre sempre o boato de que o prazer se estende ao canto do galo. Eu olho para a cara dos meus colegas e não enxergo nenhuma olheira, nenhuma fraqueza de manhã. São sobrenaturais. Passam a noite fogosamente, não dormem e ainda acordam sem efeitos colaterais do cansaço. Alguma coisa está errada em mim.
Pior que fingir orgasmo é fingir que o orgasmo dura a noite inteira.
Onde anda a modéstia da nudez? A humildade do amor?
O bocejo, por exemplo, é tão romântico, mas é visto como um sinal de agouro e de tédio. Se alguém vacila, logo se pune e engole uma lata de Red Bull. Abafamos a sedução da preguiça. Uma pena; ao bocejar, o corpo se estica e se entrega como num ato erótico. Nada é mais excitante do que estar desarmado, com o rosto limpo, honesto e real.
O sexo precisa de mais religião. Pode parecer blasfêmia, mas pede mais religião e menos academia de ginástica. Sexo virou desempenho. É uma atividade muscular, ao lado do cross over e leg press. Uma demonstração de fôlego. Uma competição de quem aguenta mais. De quem pode mais. Uma rivalidade de bíceps e seios. Estamos mais preocupados com a posição do que com o prazer do outro. Os joelhos e braços são anilhas encaixadas nas barras.
Esquecemos de que o sexo pode ser curto no tempo e intenso na entrega. Já é suficiente meia hora, desde que vivida com a disposição dos detalhes, desde que a respiração seja saboreada e a pálpebra se feche para deixar o lábio enxergar sozinho.
Parece que sexo exige insônia, exaustão física, tortura, infarto. Eu quero viver pelo sexo, não morrer dele.
A noite de núpcias é a mesma conversa fiada. Os convidados e os padrinhos farão insinuações aos casados durante a festa: “Hoje é o dia, hein?” Mas no quarto a verdade será sonolenta. Ao invés de gemidos, roncos.
Depois do casamento, da recepção, da comilança, da arruaça até a luz do sol chegar, das danças e das despedidas dos hábitos de solteiro, como é que o casal vai transar? É desumano. Ou porque os dois estarão embriagados ou porque não se mantêm em pé. O máximo que dá para fazer é uma declaração de intenções.
— Ai, amor, eu queria tanto comemorar.
— Eu também, temos uma vida pela frente.
— Não ficará chateada?
— Claro que não, eu desejava…
— Zzzzzzzzzz.
E ambos entendem que mentir não é tão bom quanto dormir de conchinha.