Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo, num lugar em que ambos nos possamos falar, de fato, sem que nenhuma das ocorrências da vida venha interferir no que temos para nos dizer. Muitas vezes me lembrei que esse lugar podia ser, até, um lugar sem nada de especial, como um canto de café, em frente de um espelho que poderia servir até de pretexto para refletir a alma, a impressão da tarde, o último estertor do dia antes de nos despedirmos, quando é preciso encontrar uma fórmula que disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É que o amor nem sempre é uma palavra de uso, aquela que permite a passagem à comunicação mais exata de dois seres, a não ser que nos fale, de súbito, o sentido da despedida, e cada um de nós leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio ser, como se uma troca de almas fosse possível neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e me peças: "Vem comigo!", e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde, isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos para dizer uma ao outro: a confissão mais exata, que é também a mais absurda, de um sentimento; e, por trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia seguinte, como se o amor, de fato, pudesse mudar as cores do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos encontrar; que há-de ser um dia azul, de verão, em que o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Patricia Antoniete
E se eu te dissesse desisto, me rendo, deponho armas, hasteio a bandeira branca, me entrego, deu, era isso? Se eu confessasse que lá, não tão no fundo, já nem sei mais que começo tem meu mundo e que fim tem a minha rua se não começo ou termino o dia me sabendo tua em todos os sentidos, de cima para baixo, pele, da esquerda pra direita, língua, de fora pra dentro, olhos, de cá pra lá, voz, de dentro pra fora, cheiro, tu tomarias o meu país, demarcarias as minhas fronteiras, farias teu o meu território e me colocarias um nome desses bem bonitos para me chamar de minha pátria, meu chão, minha terra, para deitar em mim tuas raízes, fazer correr por mim teus rios e brotar em mim tuas sementes de linho, algodão, trigo amarelo, pêssego branco? Dispensei meus exércitos.
Aguardo teu desembarque em minhas costas.
Aguardo teu desembarque em minhas costas.
Denise Aerts e Christiane Ganzo
Tornamo-nos escravos de quem fomos no passado. Se ontem dissemos que faríamos tal coisa, como hoje mudar? Se ontem elegemos o sorvete de pistache como o nosso favorito, como hoje desejar o sorvete de sambayon? Se ontem fiz ou pensei tal coisa, como posso hoje fazer ou pensar diferente? E se percebemos em nós a tendência à multiplicidade? Uma vontade, hoje, agora, de fazer, pensar e sentir diferente. Mas não! E nossa coerência? Estabilidade? O que os outros vão pensar de nossa saúde mental? Dirão que não sabemos o que queremos! Dirão que somos birutas como os marcadores de vento, loucos como o tempo ou, simplesmente, pouco confiáveis, já que mudamos sempre de opinião. Dirão mesmo isso? Seremos nós o assunto dos outros? Não se iluda: temos tão menos importância do que gostaríamos!
Jaya Magalhães
A gente precisa é de fé. E de pessoas. Porque eu me sinto meio vazia de pessoas, pessoas dessas que fazem festa na gente, que fazem a alma bater palmas. Pessoas que entendam esse meu jeito de não fazer muito alarde, de chegar sem espantar as borboletas. Eu tenho uma joaninha no dedo indicador e essa sensibilidade ardendo nos ombros desde muito tempo...
Num dia como esse, em 1902, nascia o poeta do século XX, Carlos Drummond de Andrade. Nossa homenagem ao grande poeta.
Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.
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