quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Grávido - Fabrício Carpinejar

Não sei como dizer isso: estou grávido de você. Talvez não descubra. Talvez nunca o veja. Mas o filho é seu. Em meu ventre. Ventre de homem que se esconde como uma pedra de rio. Nosso filho abrirá minha carne como um punhal verde e me fará buscar seus traços mais do que os meus. Daquela noite, fiquei grávido. Não nos falamos. O milagre de multiplicar sua ausência. Tive medo de sua reação e recusei contar. Não queria que permanecesse comigo pela criança. Não queria uma esmola e caridade. Não, se eu não fui grande o suficiente para ser seu amor, não aceito ser motivo menor de compaixão. Que me esqueça, não me recorde para fazer um favor. Não vivemos de favor, vivemos para pagar tudo o que imaginamos em silêncio.

Estou
grávido de você. Mal contenho a expectativa de abraçar a criança como alguém que põe o casaco na cabeça para fugir da chuva. Ela chuta cada vez mais forte. Não pensava que minha pele fosse elástica o suficiente. Posso sentir os dedos dos pés se formando em cada golpe. Divido o meu prato, os meus dentes, os meus ossos com ela.


É esquisito descobrir que os homens também engravidam. Quantos geram seus filhos sozinhos, criam seus filhos sozinhos, seus filhos invisíveis que nascem da insistência de uma lembrança? Estou grávido de você. No futuro, talvez contarei a ele quem é sua mãe. Não hoje. Não me peça que seja hoje. Por enquanto, guardo o segredo com o zelo dos avós.

Não duvido que conclua que não é seu, e diga que é de outra mulher. Mais fácil deduzir que a engano. É mais confortável não se interessar, não mudar o turno do trabalho, não alterar as festas e as expectativas. Num parque, daqui a um tempo, observará uma criança loira rindo no vaivém do balanço e lembrará nitidamente de sua fome de ser empurrada alto. A mesma cova ao lado dos lábios. A desconfiança irá se sentar devagar. Perceberá que é seu filho e seguirá sua vida tentando negá-lo. Acredito no seu talento em me negar, porém faltará força para negá-lo. Negar aquela noite. O tremor das pernas caminhando paradas. O tremor dos braços nadando parados. A boca subindo e engolindo os próprios olhos. Tínhamos que repartir aquela noite com alguém e o filho desceu no desejo.

O rosto dos filhos puxam nossas carências. Nosso filho será a carência de você. É minha principal virtude, depender de você. Não tenho pressa, deixo que a luz abra minhas cartas. A cola seca e se desfaz em nove meses. Os amigos dirão que enlouqueci, não vão reparar na minha mão ocupada em levar a criança para a escola. Não há importância. Estou grávido de você. O filho existe em mim, existirá fora de mim, o filho imaginário que surge de uma perda, que se molda de uma incompreensão.

Sou pai de minhas dores. Sou pai alegre de minhas dores. Prometo cuidar do pequeno como cuidaria de você se permanecêssemos juntos depois daquela noite.