quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Hannah Arendt in Homens em tempos sombrios


E esse pensar, alimentado pelo presente, trabalha com 'os fragmentos do pensamento' que consegue extorquir do passado e reunir sobre si. Como um pescador de pérolas que desce ao fundo do mar, não para escavá-lo e trazer à luz, mas para extrair o rico e o estranho, as pérolas e o coral das profundezas, e trazê-los à superfície, esse pensar sonda as profundezas do passado - mas não para ressuscitá-lo tal como era e contribuir para a renovação das coisas extintas. O que guia esse pensamento é a convicção de que, embora vivo, esteja sujeito à ruína do tempo, o processo de decadência é ao mesmo tempo um processo de cristalização, que nas profundezas do mar, onde afunda e se dissolve aquilo que outrora era vivo, algumas coisas 'sofrem uma transformação marinha' e sobrevivem em novas formas e contornos cristalizados que se mantêm imunes aos elementos, como se apenas esperassem o pescador de pérolas que um dia descerá até elas e as trará ao mundo dos vivos - como 'fragmentos do pensamento', como algo 'rico e estranho.'