Não sei por que, sorri de repente, e um gosto de estrela me veio na boca. Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis que fazem os caminhos... Em Deus, em ti, de novo... Tua ternura tão simples. Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela noite imensa.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Carla Madeira
A trajetória humana é o resultado da tensão entre preservar e transgredir. O corpo quer preservar. A alma, transgredir. Funciona
mais ou menos assim: o sujeito está parado em frente ao mar, em um lugar
paradisíaco, dia azul, brilhante e agradável. Uma brisa suave deixa a vida
perfeita. É quando a alma começa a se perguntar: “O que será que tem do lado de
lá?” O corpo completamente feliz com o paraíso responde: “Não faço a menor
ideia.” Então, a alma continua: “Acho que vamos ter de ir até lá.”
“Como assim”, protesta o corpo! “Ir lá a troco de quê? Correr
o risco de afogar, de ser comido por um tubarão!” “É, mas, se o único jeito de
saber o que tem do lado de lá é indo lá, vamos ter que ir. Ou você prefere que
eu vá sozinha?” O corpo, sabendo que não pode ficar vazio de alma, se
conforma. E a alma, cheia de coragem e dúvida, se lança ao mar.
O que nos move são as perguntas, que organizam
nossas dúvidas. Que não se calam e nos fazem seguir em frente. Os maiores
empobrecimentos do mundo e as maiores violências nascem das certezas. Os
fundamentalistas são aquelas pessoas com certezas tão absolutas que matam e
morrem por elas. E fazem isso não pelo que acreditam, mas porque estão tão
radicalmente sem dúvidas que não admitem que o outro pense ou seja diferente.
A obsessão pela certeza é uma tentativa de eliminar
o risco. O medo do risco imobiliza. O sujeito passa as quatro estações dentro
de casa. Não pode sair no verão porque o sol forte pode provocar câncer de
pele. É verdade, pode. Não pode sair no inverno porque pode pegar uma
pneumonia. É…pode. Não pode sair na primavera: vai que as abelhas assanhadas
com o pólen resolvem atacá-lo. Isso pode até matar. Não pode sair no outono já
que as folhas caem, e um galho pode cair junto, bem na cabeça do cara. Quem pode
garantir que não? É isto que o medo faz: ele transforma a possibilidade, muitas
vezes remota, em certeza. O medo é a certeza de que o pior vai acontecer.
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