terça-feira, 22 de julho de 2008
Fecundação
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura.
Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita meu pensamento
na tua mão.
Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
Teu olhar abre os braços, de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
Tem teu mórbido olhar penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão de que se vai abrir
todo meu corpo em poemas.
Fatalismo
Amo o que em ti há de trágico. De mau.
De sublime. Amo o crime escondido no teu andar.
A tua forma de olhar. O teu riso fingido e cristalino.
Amo o veneno dos teus beijos. O teu hálito pagão.
A tua mão insegura na mentira dos teus gestos.
Amo o teu corpo de maçã madura.
Amo o silêncio perpendicular do teu contato
A fúria incontrolável da maré
nas ondas vaginais do teu orgasmo.
E esta tua ausência
Este não-ser quem é.
O presente
O que hoje recebes
e não podes pegar, guardar
em panos e papéis laminados,
é imperecível,
presente onipresente.
Estás com ele na chuva
e não temes que se desfaça.
Estás com ele na multidão
e não o escondes dos mutilados.
O que não existe para os homens
deles estará protegido,
o que os homens não vêem
não poderão espedaçar.
Eis o que não te denuncia
porque não tem face
nem volume para ser jogado no mar.
Eis o que é jovem a cada lembrança
porque não tem data
e série, para envelhecer.