quinta-feira, 29 de março de 2012

Fabrício Carpinejar


O casamento pode passar por vinte anos, sem perder a autenticidade. Por dois meses e já não oferecer excitação. Sei de mulheres que amaram loucamente, viveram uma década com sua companhia, e num abraço descobriram que não amavam mais. Um abraço. Não houve nada de concreto para terminar o relacionamento, assim como não havia nenhum interesse objetivo para iniciar. Não houve nenhum motivo explícito, foi um abraço. A química estava desfeita. Até o cheiro da pessoa mudou. Até o jeito de apertar os braços. O amor também cansa. E cansa porque se acostumou a ser mais amizade do que amor, mais concordância do que implicância. Por isso, o amor é uma trabalheira. Reconquistar quando não se espera, seduzir quando se está distraído.
Para a história continuar, não deve aceitar a amizade como base. Não casar com ninguém pela amizade. Sexo é a permanência da estranheza dentro da intimidade. Não é se vestir de enfermeira ou de policial, mas não esgotar a vontade de conhecer. Intrigar, amadurecer, fazer pensar o desejo e repor o valor de cada ato pelo espanto. Não se deve matar a estranheza entre o casal. O ardor das perguntas. Muitos casais se compensam. Compensam os defeitos um do outro. Compensam os sacrifícios um do outro. Compensam o voluntarismo no trabalho um do outro. Compensam os filhos um do outro. Compensar não é compreender. Compreender é nunca compreender de todo, é se assustar com a resposta - para realmente ouvi-la. Confio cada vez mais que amor não é reconhecimento, e sim desconhecimento para reconhecer de novo. O amor é amnésia diante do excesso de memória que traz a amizade.
Lanço uma provocação: talvez não queira alguém que a entenda perfeitamente, a ponto de definir o que fará, mas alguém que não a entenda e não desista de tentar.

Marisa Monte - Depois