terça-feira, 24 de maio de 2011

Blaise Pascal

Nunca prestamos atenção ao tempo presente. Antecipamos o futuro como se este fosse lento demais, apressando-lhe o curso, ou lembramo-nos do passado, detendo-o como se ligeiro demais; somos tão imprudentes que vagamos em tempos que não são nossos, deixando de pensar naquele único que nos pertence; somos tão fátuos que só buscamos aqueles que mais não são, evadindo-se sem reflexão daquele que subsiste. Normalmente, o presente nos fere. Escondemo-lo de nossa vista pois nos aflige, e se agradável for, lamentamos vê-lo fugir. Cuidamos mantê-lo para o futuro, planejando dispor coisas que não estão em nosso poder, para um tempo que não temos certeza se chegará. Que cada um examine seus pensamentos. Encontraremos todos ocupados com o passado ou o futuro. Quase não pensamos no presente, e quando nele pensamos é para pô-lo a serviço do futuro. O presente nunca é nossa finalidade. Desta forma, nunca vivemos, contudo, esperamos viver; dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.

Carlos Drummond de Andrade

Há tantas coisas germinando na noite, que nem sei como enumerá-las. À noite nascem as revoluções tanto as que vão triunfar como as que só se realizam em pensamento, e são quase todas. Os revolucionários viram-se, inquietos, na cama. E também os que se converterão, pela manhã, a religiões novas. E os amorosos. Análises emocionais levadas ao extremo da tortura arrastam-se pela horas lentas da noite. Como a noite é rica! A noite é o tempo de não dormir; é o de velar e procurar; de criar mundos. Demétrio quis prolongar a noite obturando todas as frestas do quarto, para que não entrasse a luz. Luz não entrou. Demétrio gozou da noite plena, continuada, e todos os pensamentos lhe floresciam. Construiu sistemas filosóficos. A escuridão era propícia a teorias políticas. Nenhum crítico foi mais perspicaz do que Demétrio, na literatura e nas artes. Aquela noite era fantástica. Demétrio quis experimentar as sensações de horror, êxtase, humilhação, glória, poder e morte. Morreu, mesmo no escuro. Tendo sentido a morte em seu interior físico, não pôde mais tirá-la de si. É o único morto, conscientemente morto, de que já ouvi falar nesta vida. A noite é fantástica.

Mário Quintana


Por favor não me analise.
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda
Quanto mais eu
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou.
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor
Amor é síntese.
É uma integração de dados.
Não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias .
Ninguém consegue abraçar um pedaço.
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito amor.

Simon Blackburn


Há sempre pessoas prontas a dizer-nos o que queremos, a explicar-nos como nos vão dar essas coisas e a mostrar-nos no que devemos acreditar. As convicções são contagiosas e é possível convencer as pessoas de praticamente tudo. Geralmente, estamos dispostos a pensar que os nossos hábitos, as nossas convicções, a nossa religião e os nossos políticos são melhores que os delas (...) É por causa de idéias sobre o que os outros são, ou quem somos nós, ou o que os nossos interesses e direitos exigem que fazemos guerras ou oprimimos os outros de consciência tranqüila, ou até aceitamos por vezes sermos oprimidos. Quando estas convicções implicam no sono da razão, o despertar crítico é o antídoto. A reflexão permite-nos recuar, ver que talvez a nossa perspectiva sobre uma dada situação esteja distorcida, ou seja, cega, ou, pelo menos, ver se há argumentos a favor dos nossos hábitos, ou se é tudo meramente subjetivo. Fazer isto bem é pôr em prática mais alguma engenharia conceitual. A reflexão pode ser encarada como uma coisa perigosa, visto que não podemos saber à partida onde nos conduzirá.

David Hume


(...) A vida humana é mais governada pelo acaso do que pela razão, deve ser encarada mais como um enfadonho passatempo do que como uma ocupação séria, e é mais influenciada pelo temperamento de cada um do que por princípios de ordem geral. Devemos empenharmos nela com paixão e ansiedade? Não é merecedora de tanta preocupação. Devemos ser indiferentes a tudo que acontece? Nossa fleuma e falta de interesse far-nos-á perder todo o prazer do jogo. Enquanto especularmos a respeito da vida, a vida já passou. E a morte, embora talvez eles a recebam de maneiras diferentes, trata do mesmo modo o tolo e o filósofo. Tentar reduzir a vida a uma regra e um método exatos, é geralmente uma ocupação dolorosa ou infrutífera e não é isto mais uma prova de que superestimamos o prêmio porque lutamos? E mesmo especular tão cuidadosamente sobre ela, equivaleria a superestimá-la, se para certos temperamentos esta ocupação não fosse uma das mais divertidas a que é dedicar a vida.