sexta-feira, 11 de abril de 2008

Dois corpos que caem (trecho)

João Silvério Trevisan
(...)
- O que você faz aqui? - perguntou Antônio.- Estou me matando - respondeu João. - E você?- Que coincidência! Eu também. Espero que desta vez dê certo, porque é minha décima tentativa. Anos venho tentando. Mas tem sempre um amigo, um desconhecido e até bombeiro que impede. Você afinal está se matando por quê?- Por amor - respondeu João, sentindo o vento frio no rosto. - Eu, que amava tanto, fui trocado por um homem de olhos azuis. Infelizmente só tenho estes corriqueiros olhos castanhos...- E não lhe parece insensato destruir a vida por algo tão efêmero como o amor? - ponderou Antônio, sentindo a zoada que o acompanhava à morte.- Justamente. Trata-se de uma vingança da insensatez contra a lógica- gritou João num tom quase triunfante. - Em geral é a vida que destrói o amor. Desta vez, decidi que o amor acertaria contas com a vida!- Poxa! - exclamou Antônio - você fez do amor uma panacéia!- Antes fosse - replicou João, com um suspiro. - Duvidoso como é, o amor me provocou dores horríveis. Nunca se sabe se o que chamamos amor é desamparo, solidão doentia ou desejo incontrolável de dominação. O que na verdade me seduz é que o amor destrói certezas com a mesma incomparável transparência com que o caos significante enfrenta a insignificância
da ordem. Não, o amor não é solução para a vida. Mas é culminância. Morrer por ele me trouxe paz. (...)