quinta-feira, 31 de julho de 2008

Adriana Calcanhoto

Fernando Pessoa

Ana

Viviane Mosé

Ela era linda. Tinha os olhos saltados e a boca rasgada como uma fenda. Macia e profunda. Seus cabelos negros reluziam em sua pele branca. Ela era linda e mesmo pequena ocupava todos os espaços. Reinava como um rapaz afeminado. Um pássaro molhado. Um tigre. Um grande tigre ou dragão. Doce como o mel dos gozos era frágil como os poetas. E triste. Profundamente triste apesar da alegria rubra que escorria pelo eterno sorriso felino. Ela era grande. Grande como são as estrelas. E até podia ser feia e era. Mas erguia as mãos quando fumava e os dedos caídos pediam aos deuses um espaço no Olimpo. Seus gestos diziam tanto que mesmo sem o maior encanto embriagava os homens. E assustava as mulheres. Umas lhe rendiam homenagens enquanto outras faziam vodu e pregavam alfinetes em seu peito miúdo. Ela era linda e tão linda que um dia caiu de bruços e um brutamontes lhe comeu o cu.

terça-feira, 29 de julho de 2008

SE ESTIVESSE VIVO, MÁRIO QUINTANA, O POETA DAS COISAS SIMPLES, COMPLETARIA HOJE 102 ANOS...

NOSSA HOMENAGEM...

VOCÊ SABIA?
Na cama do hospital, após quebrar o fêmur ao ser atropelado, perguntou: "Anotaram a placa?" Explicaram que o atropelador o havia socorrido e estava identificado. "Vocês não estão entendendo. Quero saber a placa para jogar no bicho!"



ESQUECIMENTO
Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas
será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio…

LEVEZA

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

DOS MILAGRES
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

SENTIMENTOS

Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos...
Atos são pássaros engaiolados,
sentimentos são pássaros em vôo.


BILHETE
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres, enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Luz de Luma

Entre a boca e o beijo
Há quilômetros de ruas
Há esquinas de corações
Entre os dedos e o corpo
Há um mar de alegrias
verdades e sonhos reais
Sem leveza e passos rápidos
Corre o mundo sobre um corpo.

Antropóloga

Ana Paula Pedro

explorar teus subterrâneos

desvendar teus mistérios

navegar por teus trilhos

ultrapassar teus portais

percorrer tuas curvas

conhecer tuas lendas

penetrar tuas fendas

avistar teus perigos

amar tua geografia

perder-me em ti

nesta hora

todo dia

agora

PRA NÃO ESQUECER – Ivan Santtana

Quando fores embora,
leva os discos,
os sapatos,
a velha máquina de escrever,
e dá um jeito de caber na mala
todo amor que não me deste.

É DURO TER CORAÇÃO MOLE - Alice Ruiz

Por favor
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte
não machuque esse meu coração
preciso dele
para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos
e outras canções
sem emoção
morro de fome
sinto muito
mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração.

domingo, 27 de julho de 2008

Pés no chão

Martha Medeiros

Volta e meia me pego falando coisas em que nem eu mesma acredito. Por exemplo, costumo dizer por aí que mantenho meus pés no chão, que não sou de delirar, de procurar cabelo em ovo, essas coisas. Pés no chão, pés no chão. Sempre falo isso com um misto de orgulho e ao mesmo tempo de estranhamento. O orgulho até entendo - pés no chão é uma metáfora para sensatez, lucidez. O estranhamento eu compreendi recentemente, quando li uns versos do norueguês Tor Age Bringsvaerd que descobri serem até manjados, mas que eu não conhecia: Quem mantém os dois pés no chão não sai do lugar.

Taí o que me incomodava.

Desde então, fico me perguntando o que os meus dois pés no chão têm me trazido de bom. Trouxeram a consciência de que não sou melhor nem pior do que ninguém, que faço o que posso. Os pés no chão me fizeram reconhecer minhas limitações e a não criar expectativas mirabolantes em relação a nada. Me fizeram desenvolver um olho clínico para detectar exibicionistas, arrogantes e toda espécie de gente que "se acha", e que me causam verdadeiro tédio. É o que me trouxeram meus dois pés no chão, tanto o esquerdo quanto o direito.

O que eles podem me tirar é que me assusta.

Não tenho vocação para a permanência eterna, para nada eterno. Não mais. Tinha quando era uma menina e não fazia idéia de que estar em movimento não era sinônimo de indecisão, e sim de sabedoria. Para frente, para trás ou para os lados: não importa a direção, o que vale é a troca de paisagem. O ângulo novo. As coisas que a gente não enxergava antes, quando estava parado.

Ao tirar os dois pés do chão, permito que as certezas me abandonem e me concedo o direito ao mistério. Não fico mais tão segura de nada, e assim abro espaço no cérebro para diversas especulações - que me levarão onde? Não sei.

O "não sei" pode, sem querer, nos apontar um caminho bem legítimo.

Tirando os pés do chão, volto a sonhar, eu que havia trocado sonhos por objetivos. Já não sou criança para temer que essa "levitação" me faça cometer bobagens. Vai ver é de bobagens mesmo que estou precisando.

Manter os pés no chão exige contração, concentração. Não é relaxante. Para sair da posição de sentido, preciso me desapegar, me desprender: será isso ruim?

Não quero mais em mim uma postura militar, uma cabeça de sargento, ao menos não todo o tempo. Preciso encontrar em mim a recruta também, o soldado que cumpre as regras, porém debocha do general quando ele não está vendo.

Vou manter meus pés no chão, porque delirar todo o tempo não é possível, não quando se tem responsabilidades adquiridas. O orgulho da consciência ainda habita em mim. Mas ficar cravada no solo, pra sempre, não dá. Como diz o norueguês, não se vai a lugar algum, então que eu me desloque ao menos em pensamentos, em vertigens mentais, em piruetas audaciosas que me façam pousar alguns metros adiante, lá onde se consegue olhar pra trás e descobrir o bem que fizemos ao mudar.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Ralph S. Marston Jr

"A verdadeira pessoa que você é revela-se nos momentos em que você tem certeza que ninguém está olhando. Quando ninguém está olhando, você é guiado pelo que você espera de si mesmo".

terça-feira, 22 de julho de 2008

Fecundação

Gilka MachadoTeus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura.

Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita meu pensamento
na tua mão.

Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.

Teu olhar abre os braços, de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.

Tem teu mórbido olhar penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão de que se vai abrir
todo meu corpo em poemas.

Fatalismo

Manuela Amaral

Amo o que em ti há de trágico. De mau.
De sublime. Amo o crime escondido no teu andar.
A tua forma de olhar. O teu riso fingido e cristalino.

Amo o veneno dos teus beijos. O teu hálito pagão.
A tua mão insegura na mentira dos teus gestos.
Amo o teu corpo de maçã madura.

Amo o silêncio perpendicular do teu contato
A fúria incontrolável da maré
nas ondas vaginais do teu orgasmo.

E esta tua ausência
Este não-ser quem é.

O presente

Alberto da Cunha Melo

O que hoje recebes

e não podes pegar, guardar

em panos e papéis laminados,

é imperecível,

presente onipresente.

Estás com ele na chuva

e não temes que se desfaça.

Estás com ele na multidão

e não o escondes dos mutilados.

O que não existe para os homens

deles estará protegido,

o que os homens não vêem

não poderão espedaçar.

Eis o que não te denuncia

porque não tem face

nem volume para ser jogado no mar.

Eis o que é jovem a cada lembrança

porque não tem data

e série, para envelhecer.

O amor e o outro

Affonso Romano de Sant'anna

Não amo melhor
nem pior do que ninguém.

Do meu jeito amo
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Colaboração de Suzana Dias. Valeu pelo repouso poético-musical em seu muro...

Se ao menos uma vez tudo se aquietasse
se se calassem o talvez e o mais ou menos
e o riso à minha volta...
Se o barulho que fazem meus sentidos
não perturbasse mais minha vigília...

Então, num pensamento multifário
poderia eu pensar-te até aos teus limites
e possuir-te (só o tempo de um sorriso)
e oferecer-te a vida inteira, como
um agradecimento
.

(Rainer Maria Rilke)

domingo, 20 de julho de 2008

Norman Brown

O que está sempre

falando

Silenciosamente

é o corpo.