domingo, 21 de outubro de 2007

Fabrício Carpinejar



O apaixonado é um obsessivo.
Pode ficar uma noite inteira repetindo o mesmo gesto como se fosse novo.
Dormir é de menos.
Emenda noites seguidas.
O apaixonado não dorme, desmaia.
O apaixonado muda de lugar no restaurante e esquece os óculos.
É um preguiçoso, vai escolher uma música ou um poema para dizer o que sente.
O guarda-chuva é o chapéu dos apaixonados. Melhor ainda se for uma sombrinha verde.
É um consumidor contumaz das coisas que não prestam.
Passa a se amar mais, tanto que o amor próprio é o único rival de sua paixão.
O apaixonado é um viúvo alegre.
Jamais toma sopa.
Quando o apaixonado começa a falar de admiradoras secretas, o caso já é público.
Debruça o tronco na mesa sem as mãos.
Como uma marionete.
O apaixonado duvida do que ele mais acredita. Finge duvidar para ouvir outra vez.
Sua memória é a do peixe.
Pensa o pior para viver melhor, antes pensava o melhor para viver o pior.
O apaixonado faz diálogos sem edição. Encontra um motivo para falar de quem está amando mesmo sem motivo.
O gosto da boca do apaixonado não se altera conforme a comida. Pode vir espinafre que continua bom.
Termina a relação toda hora para sempre recomeçar.
Está somente doente para o trabalho.
O apaixonado cheira a sexo mesmo quando não transou.
Está enterrado entre dois seios."Apesar de tudo" não existe para o apaixonado, só para os conformados.
A poesia pode aparecer antes ou depois do sexo, nunca durante.
A ansiedade do apaixonado é a de um fanático.
Corrige o que foi dito com o suspiro.
Não consegue ser sucinto, nem escrever um telegrama ou um epitáfio.
Não procura sentido para a vida, basta não ter sentido para vivê-la.
Facilita denúncias.
Conta unicamente para sua paixão o que não podia contar.
Tudo o que não fez numa vida completa em uma noite.
O apaixonado mente para melhorar suas verdades.
Tem o estranho hábito de não ter hábitos.
Não lê jornal. Tanto faz o mundo.

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