quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não sabemos namorar

Fabrício Carpinejar

Agora dei para mascar chiclete com sabor melancia.
Deveria esconder esse detalhe. Mórbido para quem atravessou os 36 anos.
Mas vejo o quanto escondo o romantismo debaixo da mordida. Sou açucarado. Meu beijo é diabético. Logo eu que passo uma imagem seca de bolacha de sal.

Vá lá, não vou sorrir para mim de noite ou pedir a benção para os apaixonados, mas não acredito nesta história de acomodação no romance. Que de uma hora para outra cansamos. Não é cansaço, não é que paramos de seduzir porque conquistamos e que não precisamos mais arrebatar com surpresas. Não é que estamos seguros e não arriscamos mais. Não é o conforto ou o domínio territorial.

Senão começaremos a acreditar que existe cupido. E cupido é o mais cafona dos anjos. Quem começa uma relação com cupido termina na fossa repetindo os erros ortográficos das canções sertanejas.

Confio que há gente que não saiba namorar. Não sabe namorar, e pronto. Supõe que é instintivo, natural, que é beijar, abraçar e os oceanos transportam a espuma. Que basta amar e as relações funcionam.

Mas as relações queimam pelo pouco uso. A eletricidade enferruja.
Há gente que jura que namorar é cumprir um expediente depois do expediente: jantar, conversar e transar. Há gente que não quer namorar, e sim uma amizade para dividir o que se é. Sem tensão. Sem cobrança. Sem nervosismo.

Que tudo está definido e seguro para o final do ano, que não pode ser perdido no próximo minuto. Eu acabei de perder o próximo minuto.

Namoro é ambição. É um final de semana a cada dia. É uma delicadeza insuportável, antecipar os movimentos e agradar quando não se espera. Gentileza em cima de gentileza, infindável. Um cuidado para não magoar com aviso e pergunta, com aquela educação concedida a gestantes e idosos.

Namorar requer uma atenção absoluta. E não reclame: amar pode ser para toda a vida quando oferecemos toda a nossa vida.

Tem que se preparar, ceder, abrir espaço, oferecer, renunciar. A inquietação nasce da paciência. A criatividade nasce de uma porta fechada.

É um extremismo terrorista. Explodiremos civis.

Durante algum desentendimento, mobiliza-se a genealogia da imaginação para escandalizar de novo. Carro de som, helicóptero, arranjos suicidas pela janela. Não é permitido ficar quieto, parado, para conversar a respeito. A conversa demora.

No namoro, não existe como ser egoísta. Egoísmo se deixa no JK. É pensar pelo outro, com o outro, como o outro.

É ter uma lista de compra de mercado na ponta da língua, junto com o chiclete de melancia: qual a pasta de dente que ela usa, o xampu, o condicionador, o azeite, o leite que toma, o suco... Desconhecer a geladeira da namorada é passagem direta para o congelador.

É entrar numa livraria e pensar no livro que ela vai gostar, é entrar numa loja e pensar um vaso que combinaria com sua sala, é entrar no cemitério e sonhar com um mausoléu para a família, sim, planejar a morte junto - nada mais romântico.

É entrar em si mesmo e lustrar as memórias mais distantes para parecer órfão antes de sua chegada.

Agora dei para mascar a minha boca.



Um comentário:

Anônimo disse...

really an eye opener for me.

- Robson