domingo, 3 de abril de 2011

Inês Pedrosa in Os íntimos


(…) alguém que não nos sirva, que não nos utilize, que nos ensine a sair do nosso invólucro produtivo e a entender a gratuita e caótica beleza do mundo. Percorrer com a língua o sexo de uma mulher. Senti-lo estremecer ao toque dos dentes. Transformar dentes e língua em instrumentos de silêncio e mansidão, oferecê-los à boca do corpo de uma mulher, deixarmo-nos guiar pela luz do seu desejo e gozar com o gozo dela. A experiência sublime de causar uma felicidade instantânea a outro ser. Ou oferecermos o mais precioso e estúpido pedaço do nosso corpo à língua de uma mulher, conduzi-la até ao cume da montanha do nosso prazer, derramarmo-nos na sua boca: tomai-me e bebei-me. Esta forma de intimidade tornou-se escandalosa e risível — não serve para fabricar crianças, não é um exercício de poder, não é sequer um exercício. 

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