Desta vez vou escrever-te um poema que vai ser um poema de amor, mas que não é apenas um poema de amor. O amor, com efeito, é algo que não cabe num poema; pelo contrário, o poema é que pode caber no amor, sobretudo quando te abraço, e sinto os teus cabelos na boca, agora que a tua voz me corre pelos ouvidos como, num dia de verão, a água fresca corre pela garganta. A isto, em retórica, chama-se uma comparação; e pergunto o que é que o amor tem a ver com a retórica, ou por que é e o teu corpo se teme de transformar numa metáfora - rosa, lírio, taça, qualquer objeto que tenha, na sua essência, um elemento que me possa levar até ele, como se fosse preciso, para te tocar, substituir-te por uma outra imagem, ver em ti o que não és, nem tens de ser, ou ainda transformar-te num lugar comum, que é aquilo em que, quase sempre, acabam os poemas de amor.Assim, este poema de amor é, mais do que um poema de amor, um exercício para escrever um poema de amor - mas um poema de amor a sério, sem comparações nem metáforas, só contigo, com o teu corpo, com a tua voz, com os teus cabelos, com aquilo que é real, e não precisa de sair da realidade para se tornar objeto de um poema de amor em que o amor, finalmente, deixa de ser o objeto único do poema, que se preocupa acima de tudo com a retórica, as imagens, o equilíbrio das formas. Mas, pergunto, não é o teu corpo uma flor? Não é a tua boca uma rosa? Não são lírios os teus seios? Tudo, então, se transforma: e o que tenho nas mãos é uma imagem, a pura metáfora da vida, a abstrata metamorfose das emoções. O resto, meu amor, é tu - e é por isso que o poema de amor que te escrevo não é, finalmente, um poema de amor.
2 comentários:
Parabéns pelo seu Blog. As reflexões são muito inspiradoras. Continue assim, sem parar, sem cansar!
come om!
Postar um comentário