sexta-feira, 3 de junho de 2011

Inês Pedrosa


De amor devíamos falar em surdina; é o mais frágil dos materiais humanos. Um grito e muda-se em instalação de cacos, uma inclinação do olhar e perde-se na máquina da multidão. Distrai-se o amante e transforma-se em simples coisa amada, acariciada, gasta como a concha que se guarda e se esquece, empurrada pelo mar para o fundo do armário. Tropeçamos nele quando já nem nos lembrávamos da gaveta onde o havíamos escondido até à memória do olvido derradeiro - em que praia encontramos esta concha? De que cor era quando nos atraiu, no seu brilho intermitente, alagado de sol? Tocamos-lhe, anos depois, e a rocha vermelha de que é feito esse bicho hibernante a que chamamos coração começa a mover-se de novo, esquecendo a decisão antiga que o acalmara em mineral. O coração que acorda não recorda a dor que o adormeceu; esqueceu tudo menos o tormento voluptuoso desse tempo de entrega que não passou. Ruíram as pontes, esboroaram-se as moradas, mas o tempo não passou - o tempo desse processo revolucionário em curso, a sépia e sangue, que só depois reconhecemos como filme da nossa vida.

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