Não há motivo para te importunar a meio da noite, como não há leite no frigorífico, nem um limite traçado para a solidão doméstica. Tudo desaparece. Nada desaparece. Tudo desaparece antes de ser dito e tu queres dormir descansada. Tens direito a um subsídio de paz. Se eu escrever um poema, esse não é motivo para te importunar. Eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas de manhã cedo. Toda a gente sabe que a noite é longa. Não tenho o direito de telefonar para te dizer isso, apesar dessa evidência me matar agora. E morro, mas não morro. Se morresse, perguntavas: porque não me telefonaste? Se telefonasse, perguntavas: sabes que horas são? Ou não atendias. E eu ficava aqui. Com a noite ainda mais comprida, com a insônia, com as palavras a despegarem-se dos pesadelos.
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