A trajetória humana é o resultado da tensão entre preservar e transgredir. O corpo quer preservar. A alma, transgredir. Funciona
mais ou menos assim: o sujeito está parado em frente ao mar, em um lugar
paradisíaco, dia azul, brilhante e agradável. Uma brisa suave deixa a vida
perfeita. É quando a alma começa a se perguntar: “O que será que tem do lado de
lá?” O corpo completamente feliz com o paraíso responde: “Não faço a menor
ideia.” Então, a alma continua: “Acho que vamos ter de ir até lá.”
“Como assim”, protesta o corpo! “Ir lá a troco de quê? Correr
o risco de afogar, de ser comido por um tubarão!” “É, mas, se o único jeito de
saber o que tem do lado de lá é indo lá, vamos ter que ir. Ou você prefere que
eu vá sozinha?” O corpo, sabendo que não pode ficar vazio de alma, se
conforma. E a alma, cheia de coragem e dúvida, se lança ao mar.
O que nos move são as perguntas, que organizam
nossas dúvidas. Que não se calam e nos fazem seguir em frente. Os maiores
empobrecimentos do mundo e as maiores violências nascem das certezas. Os
fundamentalistas são aquelas pessoas com certezas tão absolutas que matam e
morrem por elas. E fazem isso não pelo que acreditam, mas porque estão tão
radicalmente sem dúvidas que não admitem que o outro pense ou seja diferente.
A obsessão pela certeza é uma tentativa de eliminar
o risco. O medo do risco imobiliza. O sujeito passa as quatro estações dentro
de casa. Não pode sair no verão porque o sol forte pode provocar câncer de
pele. É verdade, pode. Não pode sair no inverno porque pode pegar uma
pneumonia. É…pode. Não pode sair na primavera: vai que as abelhas assanhadas
com o pólen resolvem atacá-lo. Isso pode até matar. Não pode sair no outono já
que as folhas caem, e um galho pode cair junto, bem na cabeça do cara. Quem pode
garantir que não? É isto que o medo faz: ele transforma a possibilidade, muitas
vezes remota, em certeza. O medo é a certeza de que o pior vai acontecer.
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