Queiram os deuses que nesse processo de domesticação a gente consiga preservar a capacidade de sonhar. Pois a utopia será o terreno da nossa liberdade. Ou acabaremos como focas treinadas cumprindo corretamente nossas tarefas, mas soterrando aquilo que chamamos alma. Seremos então roídos pela futilidade, tão mortal quanto a pior doença: que ataca a alma, deixando-a porosa e quebradiça como certos esqueletos.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Lya Luft
ÔNUS - Lya Luft
A esperança me chama,
e eu salto a bordo
como se fosse a primeira viagem.
Se não conheço os mapas,
escolho o imprevisto:
qualquer sinal é um bom presságio.
Seja como for, eu vou,
pois quase sempre acredito:
ando de olhos fechados
feito criança brincando de cega.
Mais de uma vez saio ferida
ou quase afogada,
mas não desisto.
A dor eventual é o preço da vida:
passagem, seguro e pedágio.
PARTO - Carlos Eduardo Café
Como responderei,
à altura dos seus olhos castanhos,
com a mesma tinta que escreveu tantas bobagens
na pedra
na água
na areia.
Sangue incrustado em lâminas forjadas
nos infernos de sua chama azul-turquesa.
Nestas letras mirradas,
minha carne em tiras selada nos seus envelopes,
escondendo sob fórmulas precárias a certeza
adormecida nas entranhas, como lava.
Em sua luz crepuscular me torno cego,
encontro um guia no seu nome-cicatriz.
Nietzsche
Lugar nenhum não me cabe.
Lógica não me veste.
Sociedade não me sabe.
Religião não me pega.
Amor não me aprisiona.
Preconceito não me engana.
Tecnologia não me emburrece.
Dor não me enfraquece.
Amizade não me deixa.
Felicidade não me chega.
Música não me sai.
Sentimento não me comanda.
Ciúme não me comove.
Sexo não me basta.
Injustiça não me preenche.
Política não me agrada.
Esperança não me morde.
Destino não me domina.
Sonhar não me renova.
Critica não me enlouquece.
Escrever não me diverte.
Viver não me mata...
domingo, 19 de outubro de 2008
Num dia como esse, em 1915, nascia Vinícius de Morais, o poetinha. Se estivesse vivo, completaria hoje 93 anos...
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Teu corpo
Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.
Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.
Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.
Bertold Brecht
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
domingo, 5 de outubro de 2008
O Rio e o Oceano
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Pablo Neruda
Parada cardíaca
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro
Vem da zona escura
donde vem o que sinto
sinto muito
sentir é muito lento
Adélia Prado
História de Romeu e Julieta
Sabem porque é que Romeu e Julieta são ícones do amor?
São falados e lembrados, atravessaram os séculos incólumes no tempo, instalando-se no mundo de hoje como um casal modelo de amor eterno? Porque morreram e não tiveram tempo de passar pelas adversidades que os relacionamentos estão sujeitos pela vida fora.
Senão, hoje provavelmente, Romeu estaria com a Manuela e Julieta com o Ricardo.
Romeu nunca traiu a Julieta, numa "daquelas noites" com uma linda loira, motivado pelo impulso do álcool.
Julieta nunca ficou 5 h seguidas à espera do Romeu... a ligar incessantemente para o telemóvel dele que estava desligado.
Romeu não disse a Julieta que a amava, que ela era especial e depois desapareceu por umas semanas.
Julieta não teve a oportunidade de lhe mostrar o quanto ficava insuportável na TPM.
Romeu não saía sexta-feira a noite para jogar futebol com os amigos e só voltava as 6 h da manhã bêbado.
Julieta não teve filhos, engordou, ficou cheia de estrias e celulite e histérica quando tinha muita coisa para fazer.
Romeu não disse a Julieta que precisava de um tempo, querendo na verdade curtir a vida e que ainda era muito novo para se envolver definitivamente com alguém.
Julieta não tinha um ex-namorado em quem pensava e ficava horas a fio distante, deixando o Romeu com a pulga atrás da orelha.
Romeu nunca deixou de mandar flores para a Julieta no Dia dos Namorados alegando estar sem dinheiro.
Julieta nunca se embebedou e num momento de descontrole bateu na cara do Romeu no meio de um bar completamente cheio.
Julieta nunca teve uma crise de ciúmes por achar que Romeu estava "simpático" por demais para uma amiga dela.
Romeu não tinha uma ex-mulher que infernizava a vida da Julieta.
Julieta nunca lhe disse que estava com dores de cabeça e virou-se para o lado a dormir.
Romeu nunca foi buscar a Julieta com uma camisa de xadrez horrível...
Por essas e por outras é que eles morreram amando-se...