Para as rosas escreveu alguém,
o jardineiro é eterno.
Para os grandes, eu penso. E viro a cabeça pra pensar em outra coisa. É mais feliz gostar, amar é pra quem pode. Mas você ou a vida ou sei lá. Insiste. E então chega enorme. E só me resta rir que nem quando vejo um bebê muito pequeno e lindo. Você ri. Vai fazer o quê? É o milagre maravilhoso da vida e eu ficando brega e cheia de medo e cheia de vontade de te contar tantas coisas e nem sei se você gosta de ouvir meus atropelos. Muito amor. E então fico querendo não trair a beleza. Com você sinto a fidelidade de ser tranqüila. Um pacto de paz com o mundo. Pra não me afastar de você quando estou longe. E é impossível então que os martelos do apartamento de cima sejam realmente martelos. E é impossível que as chatices do dia sejam realmente sem solução. E os outros caras, aviso, olha, é amor. É amor. Ainda que eu quisesse, não consigo mais nem um centímetro pra você. Desculpa. O amor é terrivelmente fiel. Porque ele ocupa coisas nossas que nem existem nos sentidos conhecidos. É como tomar água morna depois de ter engolido um filtro inteiro de água geladinha. Ninguém nem pensa nisso. Muito amor. De um jeito que era mesmo o que eu achava que existia. E é orgânico dentro da gente ainda que vendo de fora não pareça caber. O corpo dá um jeito. Minha casca reclama, mas incha. Tudo faz drama dentro de mim, ainda que nada seja realmente de surpresa. Sentir isso era o casaco de frio que sempre carreguei no carro. Cansado, abandonado, amassado, sujo, velho. Mas, de repente, tudo isso desistente tem serventia e a vida te abraça. O guarda-chuva do porta-malas. A bolsa falsa do assalto que minha mãe mandava eu ter embaixo do banco do passageiro. Sentir isso é os trocos que você guarda pra emergência. Amar grande é gastar reservas e ainda assim ter coragem pra dar o que não se tem. Amar grande é ter vertigem no chão, mas sentir um chamado pra voar. Amar grande é essa fome enjoada ou esse enjôo faminto. É o soco do bem na barriga. É mostrar os dentes pra se defender, mas acaba em sorriso. É o sal que carrego no fundo falso da bolsa pra quando eu não agüentar a vida. É o açúcar que carrego junto. É tudo que pode sair do controle. É meu corpo caindo. E as almofadas de várias cores pra me dizer que pode dar certo. É o desespero aconchegante.
Se eu me magôo e passo a odiar quem foi insensível comigo, esse problema é meu, não do outro. O outro apenas não correspondeu às minhas expectativas, não deu o colo que eu achava que merecia, não foi o amigo que eu queria que tivesse sido. Ele foi ele. EU é que queria que ele tivesse agido diferente. Então eu sou o responsável pelo que sinto.
Olhe-se no espelho...
(...) Desejo que desejes alguma mudança, uma mudança que seja necessária e que ela não te pese na alma, mudanças são temidas, mas não há outro combustível para essa travessia. Desejo que desejes um ano inteiro de muitos meses bem fechados, que nada fique por fazer, e desejo, principalmente, que desejes desejar, que te permitas desejar, pois o desejo é vigoroso e gratuito, o desejo é inocente, não reprima teus pedidos ocultos, desejo que desejes vitórias, romances, diagnósticos favoráveis, mais dinheiro e sentimentos vários, mas desejo, antes de tudo, que desejes, simplesmente.
Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua, e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.
Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.
Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.
Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina.
(...) Procuro no amor a cegueira da paixão e os olhos já estão abertos nos dedos. Amar é suportar também não amar quem mais se ama. Lidar com o que nos irrita e não explodir. Dar a trégua para a paciência virar confiança. Não se sentir perseguido na hora da crítica. Não cortar a fala pelo passado. Não ameaçar com o fim, não interromper com chantagens, não sobrepor dissidências com suspeitas. Permitir que o rio mergulhe seus pés em nosso corpo.
O que julgava ser uma virtude - minha disposição em ajudar - pode ser compreendida como arrogância. Como se fosse cobrar um favor mais adiante. Ajuda só é ajuda no instante em que ela é esquecida. Tenho que ser suficientemente discreto para não voltar ao assunto. Nunca mais.
Meus avós maternos tomavam café-com-leite. Tão diferentes ao dormir, tão iguais ao acordar. O avô ainda separava abacates de seu quintal para a vitamina da tarde. Explicava, orgulhoso com o sotaque de cozinha: "o abacate é uma das raras frutas que amadurecem fora do pé".
Depende de uma semana longe da árvore. Como o amor. Inclusive quando não se ama.
Ainda de madrugada, ao acordar, a primeira coisa em que pensava era nela. Quando ia guardar o gado, pensava nela e, às vezes, não lhe conseguia ver o rosto, gastava-se-lhe de tanto a imaginar. Nessas alturas, fechava os olhos com muita força e construía-a peça a peça: lembrava-se dos lábios, do nariz, dos cabelos, dos olhos e depois juntava tudo na idéia. Ao adormecer, pensava nela. Quando a espreitava, sentia o coração rápido nas têmporas.
Eu já sei o que meus olhos vão querer
Quando eu te encontrar
Impedidos de te ver
Vão querer chorar
Um riso incontido
Perdido em algum lugar
Felicidade que transborda
Parece não querer parar
Não quer parar
Não vai parar
Eu já sei o que meus lábios vão querer
Quando eu te encontrar
Molhados de prazer
Vão querer beijar
E o que na vida não se cansa
De se apresentar
Por ser lugar comum
Deixamos de extravasar, de demonstrar
Nunca me disseram o que devo fazer
Quando a saudade acorda
A beleza que faz sofrer
Nunca me disseram como devo proceder
Chorar, beijar, te abraçar, é isso que quero fazer
É isso que quero dizer
Eu já sei o que meus braços vão querer
Quando eu te encontrar
Na forma de um "C"
Vão te abraçar
Um abraço apertado
Pra você não escapar
Se você foge me faz crer
Que o mundo pode acabar, vai acabar.
Sendo obrigado a ficar separado da namorada ou namorado, do marido ou da mulher, o que fazer? Morar em casas diferentes, cidades diferentes, países diferentes não revela distância. A distância mais difícil de ser superada é a do costume: a psicológica, a que não permite abraços efusivos e brincadeiras, que paralisa e planifica os sentimentos com os anos de convivência.
É um lugar-comum dizer que é fácil uma relação dar certo sem que os dois se vejam. Mas quem namora afastado não está convencido da conquista e se põe a trabalhar para surpreender. Acautela-se para não sacrificar o que está começando. Exercita mais antes de falar. Procura a toda hora uma forma de chamar atenção. Fiscaliza, atualiza a relação, olha ao telefone ou a caixa de mensagens com curiosidade inquisidora. Corre risco, cobre a aposta, suscetível a enganos, comédias e foras. Aprende a ver longe para não permanecer longe. Distância não é distanciamento. A primeira é física, o segundo é emocional.
Tudo é questão de matemática. Melhor ser dois no tempo sendo um no espaço do que ser um no tempo para ser dois no espaço. Dividir o mesmo teto é pouco perto de dividir o mesmo texto. Os casais separados pela força das circunstâncias não ficam com receio das juras e das promessas. Preocupam-se com sutilezas e detalhes. Não têm vergonha da vergonha. Não estão condicionados ao amor como posse, mas como incerteza. Conhecem quem são pela intensidade de sua busca. Esforçam-se para que a carne seja a lembrança de outra carne, a pele seja a lembrança de outra pele. O esforço é compreensão e a esperança, uma espécie de justiça.
A falta de imaginação termina com qualquer coisa, das atitudes mais complexas às mais simples. Como não colocar um ingrediente a mais ao seguir uma receita? É inevitável. Os melhores cozinheiros são de olho. Minha avó nunca anotou nenhum de seus pratos, porque me dizia: "a comida é que me diz quando está pronta, não eu". Erra-se para acertar. E quando se acerta, com um toque pessoal, parece um milagre.
Sem reagir à vida, não há experiência, há acomodação. Não é de estranhar que o medo de ver um nascimento é maior do que ver uma morte. Desmaiar num parto é mais fácil do que desmaiar diante de alguém que parte. Casais que se julgam definitivos porque moram juntos perdem o medo solidário de nascer (todo mundo que nasce precisa de ajuda) para deixar o medo mesquinho de morrer tomar conta da relação (todo mundo que morre, morre sozinho). O desejo não combina com segurança e senhas. O desejo é não saber o que vai acontecer depois. Os namorados e namoradas apartados por uma questão de trabalho, de residência ou de família estão dispostos a se encontrar dentro dos próprios desencontros. O círculo perfeito é muito apertado. Agrada-me a elipse, a hesitação, a fresta para arejar os afetos. Uma alegria breve pode vir a ser uma alegria interminável.