segunda-feira, 23 de maio de 2011

Miguel Torga


Aqui diante de mim, eu, pecador, me confesso de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau que vão ao leme da nau nesta deriva em que vou.
Me confesso possesso das virtudes teologais, que são três, e dos pecados mortais, que são sete, quando a terra não repete que são mais.
Me confesso o dono das minhas horas. O das facadas cegas e raivosas, e o das ternuras lúcidas e mansas. E de ser de qualquer modo andanças do mesmo todo.
Me confesso de ser charco e luar de charco, à mistura. De ser a corda do arco que atira setas acima e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo que possa nascer em mim. De ter raízes no chão desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem. De ser um anjo caído do tal céu que Deus governa;de ser um monstro saído do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu. Eu, tal e qual como vim para dizer que sou eu aqui,
Diante de mim!

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